Antônio Rafael Pinto Bandeira Cabeça_de_homem

Os Combates da Memória: escravidão e liberdade

nos arquivos orais de descendentes de escravos brasileiros

Por Hebe Maria Mattos*

Adair Gonçalves Barbosa nasceu em 1912. Diz-se bisneto de escravos “por parte de pai e por parte de mãe”. Seus avós não foram escravos, pois – segundo ele – “dessa época prá cá parece que já o sistema de vida era otro pro filho dos escravos…”. Segundo seu depoimento, colhido e publicado por Agostinho Della Vechia, nasceu em Canguçu, Rio Grande do Sul, “na casa do seu pai e da sua mãe”, no terreno que “era da sua avó”. Tinham criação e culturas. Seu pai “pagou” para que ele aprendesse a ler e escrever em casa. A professora particular foi uma “prima”, chamada “Tia Eloá”. Saiu do sítio dos pais aos 25 anos. Trabalhou por toda a vida como operário dos Frigoríficos Anglo. Em 1990, casado e aposentado, vivia em Saint Hilaire, periferia de Pelotas, em uma pequena casa de sua propriedade. Ezequiel Inacio tinha 72 anos à época da entrevista concedida à Ana Maria Rios, em 1995. Nasceu na Fazenda Sossego, em Paraíba do Sul, estado do Rio de Janeiro, onde – segundo seu depoimento – foi escravo o seu avô, “por parte de pai”, chamado Telemos Inacio (que falava uma língua estranha sempre que não queria ser entendido). Também seu pai – “já nascido livre”, teria morado na Fazenda do Sossego, antes e depois do fim do cativeiro. Sua avó paterna chamava-se “Glacina Telemos Inacio”. Ezequiel foi lavrador em Paraíba do Sul por toda sua vida. Um de seus irmãos, com 90 anos à época da entrevista, vivia como operário aposentado da Light, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense. Segundo ainda o depoimento, Seu Ezequiel mantinha contato também com os netos e bisnetos do primeiro casamento do seu pai, realizado ainda no “tempo do cativeiro”, moradores na cidade do Rio de Janeiro.

José Veloso Sobrinho nasceu em 1916 na cidade do Cunha – SP. Diz-se neto de avó escrava com avô português, por parte de mãe e de pai. Segundo seu depoimento, sua avó paterna era africana do Congo. Seu pai, filho de uma cativa brasileira com um jornalista português de nome Veloso, não teria chegado a ser escravo, “tinha papel”. Seu pai foi tropeiro e depois lavrador em terras próprias. Cresceu “tocando lavoura” com seus 10 irmãos nas terras do seu pai. Tem o primeiro grau completo. À época da entrevista concedida ao projeto “Memória da escravidão em famílias negras de São Paulo”(1988), ainda tocava lavoura com os filhos e era dono de uma pastelaria na cidade. Quatro dos seus 12 filhos cursaram faculdade e os outros terminaram pelo menos o primeiro grau.

Paulo Vicente Machado nasceu em 1910, filho caçula de Vicente Machado, excativo na “Fazenda da Presa”, em Alegre, no Espírito Santo. Cresceu “tocando lavoura” com seus pais e seus irmãos, em regime de parceria, na mesma fazenda em que seu pai havia sido escravo. Sua mãe não chegou a ser cativa, pois – segundo seu depoimento a Robson Martins- nascera “de ventre livre”. Seu pai se tornou, posteriormente, pequeno proprietário de um sítio de café em Vala de Souza, também no Espírito Santo. Após seu casamento com a filha de um sitiante vizinho, Paulo Vicente Machado se tornou operário na Estrada de Ferro Leopoldina. Como operário da Leopoldina morou em várias cidades de Minas Gerais, até – já aposentado – fixar-se em São Gonçalo , no Rio de Janeiro, onde vivia à época da entrevista.

Estes são pequenos resumos dos depoimentos de quatro homens que se identificam como negros e descendentes de escravos, que viveram (pelo menos) a infância “tocando lavoura” com a família em antigas áreas escravistas do centro-sul do Brasil. Seus depoimentos rememoram com nitidez pai e mãe, avô e avó, bem como traçam com facilidade suas genealogias até o cativeiro. Tomados em conjunto, produzem determinadas representações comuns sobre escravidão e liberdade, história e memória, que assumem estar referidas à trajetória e à tradição familiar.

Leia o artigo completo em: Os combates da memória

A pintura acima, Cabeça de Homem, é de Antônio Rafael Pinto Bandeira

Antonio Rafael Pinto Bandeira (1863-1896) nasceu em (Niterói, 9 de março de 1863Rio de Janeiro, 28 de agosto de 1896) foi um pintor e professor brasileiro da segunda metade do século XIX.

Descendente de escravos, Antônio Rafael Pinto Bandeira ingressou na Academia Imperial de Belas Artes aos dezesseis anos. Entre 1879 e 1884, foi discípulo de Zeferino da Costa. Em 1887, Pinto Bandeira muda-se para Salvador, onde permaneceu por vários anos. Na capital baiana, foi professor de desenho e paisagem do Liceu de Artes e Ofícios. Em 1890, retorna à sua cidade natal, onde tenta, em vão, fundar uma “Escola de Belas Artes”. É considerado um dos maiores paisagistas e marinhistas brasileiros do século XIX

 

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