Nascido José Flores de Jesus, Zé Keti ( 1921-1999) é um dos mais expressivos compositores de samba. Muito talentoso, conseguiu que o seu prestígio na escola de samba se estendesse até ao mundo do disco, do rádio e da televisão. É, sem dúvida, um dos maiores compositores de samba de todos os tempos.

Sua experiência na Portela, na União de Vaz Lobo e na chamada vida artística é agora contada por ele mesmo. “Quando um samba meu faz sucesso aparece um cara para dizer que não é meu”.

Com base no livro “História e origem das escolas”, que tem amplo material sobre o compositor, fizemos este resgate da trajetória de Zé Keti.

Em matéria de escola de samba você começou pela Portela mesmo ?

ZÉ KETI  – Quando eu era menino e morava na Piedade , o Geraldo Cunha me levou para assistir a ensaios na Mangueira. O Geraldo  era compositor  da Mangueira, parceiro do Carlos Cachaça, daquela turma, e na época ele fazia muito sucesso por lá. Eu gostei muito da coisa.

Mas você ficou na Mangueira ?

Zé KETI – Não, eu ia só assistir. Depois mamãe se mudou para Bento Ribeiro porque meu padrasto fez uma casa lá…

Com que idade você estava quando foi à Mangueira ?

ZÉ KETI- Eu devia ter uns 13, 14 anos. Mas quando me mudei para Bento Ribeiro, que era perto da Portela, fui levado para a escola pelo Armando Santos, que era compositor e foi depois presidente. A Portela ainda não era na Estrada do Portela , 444. Era onde é hoje o botequim do Nozinho. Era um terreiro descoberto, não tinha nada.

Você já fazia samba nessa época ?

ZÉ KETI – Não , eu ia só apreciar a turma. Não dava pra mim , eu ainda era meio garoto.

E quando foi que começou a fazer samba ?

ZÉ KETI – Aos poucos, eu fui me entrosando com Alvaiade e outros compositores da Portela, o Armando Santos, aquele pessoal, e eles me deram força. O meu primeiro samba na Portela fez muito sucesso lá. Era assim:

Lá vem Portela

Com suas pastoras

Alegres a cantar

Obra loiô, oba laiá

Não tememos o vento nem a tempestade

Nem as lindas ondas do mar

Chega, deixa isso pra lá

Eu não me lembro da segunda parte. Mas o samba fez um sucesso danado na Portela. A segunda parte fala  em jequitibá não sei o que lá.

Naturalmente nessa época você já desfilava na Portela ?

ZÉ KETI- Já, e na ala dos compositores. Nas passeatas que a Portela fazia eu também ia com a escola e acabei ficando conhecido pela turma de lá.

Mas você andou brigado com a Portela logo depois que você começou a fazer samba por lá ?

ZÉ KETIi – É que eu sempre fui perseguido por um troço : quando  um samba meu faz sucesso aparece um cara para dizer que o samba não é meu. É uma perseguição muito grande. Vejo você como é a imaginação das pessoas. Fiz um samba pra Portela que fez muito sucesso. A letra era assim:

Não, não quero morrer agora

Ingrata morte vai embora

Abandone o meu leito de dor

Peço clemência ao Senhor

Estou em plena flor da idade

Se eu morrer

Do mundo levarei saudade.

Quando lancei esse samba, o Nilson que era um compositor da Portela, um cobra, um grade  compositor, ele estava tuberculoso. Depois ele morreu. Então, apareceram uns caras dizendo que o meu samba era dele por causa da letra. Muita gente ficou  do meu lado . O Armando Santos, o Alavaiade, muita gente ficou indignada com aquele negócio: Não, senhor. Esse samba é do ZÉ KETI. Ele lançou aqui, na Portela. Nilson estava vivo, e ele próprio cantava.

Qual é a lembrança que você tem do Paulo da Portela?

ZÉ KETI- Ah ! o Paulo ! Ele era assim bem escuro, sabe? Um escuro bonito. A pele escura tem várias tonalidades, tem vários pretos. O Paulo era um preto de uma pele lustrosa, brilhante, amarronzada, escura. Muito alto, muito elegante, ele era muito vivo, muito lúcido. Era uma pessoa que não ficava parada,não. Estava sempre falando, gesticulando. Era simpático, inteligente, uma pessoa muito bacana. Aliás, eu me lembro muito da turma toda daquele época. O João da Gente, Manoel Bam Bam Bam, o Doce, o Candeia Velho, o Pai do Bubu, um negão forte, me esqueço do nome dele, me lembro da turma toda.

Você tem um samba que fala do Paulo da Portela, do enterro dele, uma coisa assim.

ZÉ KETI – É uma homenagem a ele e a vários outros:

Os sambistas não morrem

Sambistas viajam

Pro reino da glória

Foram Caquera, Sinhô

Noel e Claudionor

Grandes vultos na história do samba

Todos vultos na história do samba

Todas as escolas fizeram

Pra cada um funeral

Depois eu falo no Paulo da Portela, no enterro dele mas não estou lembrado do samba todo.

Você conheceu o Caquera ?

ZÉ KETI- Conheci, era de Bento Ribeiro. Ele era da Escola de Samba Lira do Amor, que a  gente chamava de” pega dormindo ” porque os ensaios iam até de madrugada. O Caquera era um mulato muito inteligente também , era  quem botava a escola pra frente. Teve uma morte terrível. A escola acabou depois da morte dele. Ele estava em cima do caminhão arrumando as coisas e o motor do caminhão estava trabalhando. Aí, as cordas que estavam no pescoço dele desceram por um buraco da carroceria, se enrolaram no eixo e ele morreu estrangulado. No ano seguinte circulou em Bento Ribeiro um samba assim :

Ouvi dizer, ouvi falar

Que a Lira do Amor

Este ano não desfilará

Porque a tristeza lá impera

Por causa da morte

Do amigo Caquera

Foi num dia de alegria

Que a tragédia se deu

Foi no carnaval passado

Que o Caquera morreu

Já não se ouve o canto

Daquele sabiá

Todo a Lira está em pranto

Todo o mundo a chorar

(Esse artigo é baseado no livro “História e origem das escolas de samba”.)

Fonte: http://aladebaianas.com.br/w/index.php/novidades/167-a-historia-de-ze-keti