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Sobre racialismo, pós-colonialismo e desigualdade — e o poder da literatura

Por Helon Habila

Ouvi muitos africanos dizerem que nunca souberam que eram negros até virem para a América, ou para a Europa, e só então perceberam que sempre eram negros. É como Adão e Eva de repente descobrindo que eles estão nus; Como a infância de repente chegando ao fim – nada nunca mais será o mesmo novamente.

Há uma anedota em Seus Olhos Estavam Assistindo a Deus (1937), de Zora Neale Hurston, quando a narradora, Janie, aos 6 anos, de repente descobre sua negritude. Ela vive em uma casa não-egregada na Flórida com sua avó que trabalha para uma família branca liberal; todas as crianças da casa são brancas, exceto ela, todas brincam juntas, um dia um fotógrafo tira uma foto das crianças em jogo e quando a foto desenvolvida vem, cada criança se identifica facilmente na foto, exceto Janie. Finalmente, Janie chega à conclusão chocante de que a garota de cor não identificada na foto tem que ser ela: “… antes de Ah visto de imagem, Ah pensei que eu era como o resto”, disse ela.

Tal dissonância cognitiva ilustra tão bem a ideia de raça ser uma construção. Éramos todos simplesmente seres humanos antes de nos tornarmos uma categoria racial, antes que alguém decidisse que há benefício em classificar os seres humanos em hierarquias e grupos, com o homem branco no topo, e o homem negro na parte inferior.

Pergunte a qualquer africano na América e ele ou ela tem certeza de ter uma anedota pronta para “descobrir meu momento blackness”. A maioria dessas anedotas envolve as autoridades. Um amigo me contou que, em seu primeiro dia na América, ele foi parado pela polícia por suspeita de roubo — parece que um assalto tinha acabado de ser chamado e o autor coincidiu com sua descrição: jovem, negro, homem.

Para mim, era 2004. Eu estava visitando Nova York pela primeira vez. Eu estava no metrô e precisava de direções e então, logicamente, eu fui até um policial parado ao lado das catracas, quando me aproximei eu o vi tenso, com os olhos focados no meu rosto, sem sorrir, e quando me aproximei vi sua mão cair para sua arma. Parei e gaguejei minha pergunta— eu estava procurando a saída norte. “Continue andando”, ele me disse friamente. Tudo o que vi foi um policial cujo trabalho deveria ser ajudar. Tudo o que ele viu foi um jovem negro se aproximando dele. Está em seu DNA como um policial americano me ver como uma ameaça.

Em seu brilhante ensaio “The Long Blue Line” no The New Yorker, Jill Lepore descreve os antecedentes do policiamento na América, traçando suas raízes em patrulhas de escravos, Jim Crow, e culminando no stop-and-frisk do prefeito Rudy Giuliani e na violência contínua contra os negros pela polícia hoje, concluindo que o policiamento na América significa principalmente o policiamento de corpos pretos e marrons, imigrantes e a desonça sindical ocasional. Ela mencionou os códigos de escravos de 1680 que explicitamente concederam a qualquer homem branco o direito de capturar e até mesmo matar qualquer escravo fugitivo. Todos os cidadãos, ou seja, brancos, tinham o direito legal de “prender e tomar o referido negro”, e se o negro resistia, “então, em caso de tal resistência, era legal para tal pessoa [branca] ou pessoas matarem o referido negro ou escravo. …”

É claro que os africanos, como Janie, sempre souberam que eram negros — eles nunca souberam que deveriam se sentir inferiores por causa da cor da pele. A maioria deles, especialmente da África Ocidental, cresceu em sociedades racialmente homogêneas. O colonialismo foi há muito tempo. Eles foram para escolas all-Black e trabalharam em escritórios all-Black. As pessoas mais ricas que já conheceram, e as mais poderosas, incluindo a polícia e os políticos, eram todas negras. Ser negro não era nem um parente nem um estado desfavorecido, era o estado normativo. Eles não tinham aprendido a associar cor com privilégio em um sentido experiencial. Eles não tinham ideia de que deveriam ter vergonha da cor de sua pele, e pelo contrário, eles foram criados para se orgulhar de sua cultura e sua negritude.

A maioria dos imigrantes africanos no início acha difícil entender o racialismo americano, e assim, em vez de se envolver na guerra racial, eles tentam ignorá-lo. Eles mantêm suas comunidades. Eles mantêm uma distância dos afro-americanos que deveriam ser seus aliados naturais; eles acham mais fácil fazer amizade com brancos liberais do que com afro-americanos.

Os africanos não podem se tornar afro-americanos da maneira como um imigrante da Ásia pode automaticamente se tornar asiático-americano, ou um imigrante da Itália pode se tornar ítalo-americano. Sim, eles são considerados pela polícia, pela estrutura de poder, como negros, mas eles sempre se vêem como americanos ganeses, ou nigerianos americanos, ou apenas como africanos, mas não afro-americanos. Seus filhos podem se tornar afro-americanos — um bom exemplo seria o primeiro presidente negro da América, Barack Obama, filho de um pai queniano que cresceu como afro-americano. Eles se vêem como aqui temporariamente; eles estão aqui para trabalhar, para construir um pouco de capital, para aproveitar as oportunidades que a América oferece, oportunidades que eles nunca podem ter de volta para casa, antes de se aposentar de volta para a África.

Mas é claro que a maioria deles nunca volta — eles não podem voltar porque não se encaixam em casa. A América tornou-se seu lar físico enquanto seu país natal sempre será seu lar mental. Eles vivem em um estado de lealdade dividida, uma espécie de limbo imigrante.

Eu vivi na América por cerca de 13 anos agora, e só este ano eu tenho sido capaz de escrever um conto ambientado na América. Isso não é porque senti que não tinha ganho o direito de escrever sobre minha experiência americana — embora seja em parte isso — mas também é uma relutância em virar as costas ao meu país natal, a Nigéria. Primeiro tive que convencer minha psique de que a América é onde moro, e porque moro aqui não tenho apenas o direito, mas também o dever de escrever sobre isso.

Nenhum grupo racial na América tem uma história tão única e singular como a dos afro-americanos. Para se tornar afro-americano é preciso compartilhar a história, a cultura e a experiência total de ser negro na América. O que é Kwanzaa? Quando é Juneteenth? Eu não tinha ideia do que era o Mês da História Negra até vir para a América.

Ser negro, ou ser discriminado, não faz de você afro-americano. Da escravidão à emancipação a Jim Crow aos direitos civis, os afro-americanos se envolveram em uma luta perpétua contra um sistema projetado para mantê-los para baixo. Em “Black Matters”, um capítulo de seu livro Playing in the Dark, Toni Morrison explica como a maioria das instituições e literatura americanas são moldadas pela reação consciente ou inconsciente à presença negra. Se a América é um caldeirão, ela afirma, os negros são a panela, todas as outras raças estão unidas dentro da panela em oposição à Escuridão.

Talvez a ilustração mais penetrante de Morrison da experiência negra na América esteja em sua personagem protagonista, Sethe, em Amado , uma escrava fugidaque decide matar seus próprios filhos em vez de tê-los de volta à escravidão. Na América, famosa por sua opulência e plenitude material, onde a própria definição do sonho americano é alcançar o sucesso material — casa, carros, dinheiro no banco — o homem negro é resolutamente e impiedosamente negado acesso a este sonho. Como Sethe, o negro deve aprender a amar em pedacinhos. Ele não pode amar demais ou esperar demais porque o que ele ama pode ser tirado dele a qualquer momento pelas autoridades. E assim, a própria definição da experiência negra na América é de negação: o homem negro e a mulher são definidos não pelo que ele ou ela pode se tornar, mas pelo que ele ou ela não pode se tornar.

E ainda assim, apesar das algemas, o negro persiste, cria música, ciência, literatura, comunidade, mesmo sob este joelho simbólico pressionando seu pescoço. “E ainda assim eu me levanto”, escreveu Maya Angelou.

Langston Hughes diz tudo nestas linhas:

A América nunca foi
a América para
mim, e ainda assim eu juro: a América será!

Muitos paralelos podem ser traçados entre a experiência africana do colonialismo e a experiência de escravidão dos afro-americanos. Ambos os sistemas foram projetados para subjugar e desapropriar o homem negro — na África, o nativo. Ambos os sistemas giravam em torno dos três pilares da terra, do trabalho e da cultura. Tirar a terra dos nativos, ou, no caso da escravidão, tirar o nativo da terra; obrigar o nativo a trabalhar a terra roubada em benefício do mestre; e, finalmente, destruir o orgulho cultural e histórico do nativo, fazendo-o acreditar que ele é inerentemente inferior ao colonizador ou mestre escravo.

Desses três fatores, o cultural é o mais insidioso e o mais prejudicial. Nenhum mestre escravo ou colonizador pode conseguir suprimir outro ser humano por um período sustentado de tempo, a menos que ele seja capaz de convencer essa pessoa de que ele merece ser suprimido. Para o africano, essa lavagem cerebral cultural é a origem da política de culpa pós-colonial e vergonha. Isso não acontece da noite para o dia, é o produto de décadas de trabalho de doutrinação do colonizador, de administradores coloniais trabalhando em conjunto com missionários e escolas para convencer o africano de que seus deuses são ídolos inúteis, sua religião mera superstição, e que ele não tem história antes do colonialismo — na verdade, que tudo o que existia até então era um longo , noite escura da qual ele foi misericordiosamente resgatado pelo colonialismo, ou escravidão.

Mas muito antes de convencer os colonizados e escravizados de seu status inferior, o europeu teve que primeiro convencer-se de sua superioridade inventando raça. “Há o desejo — pode-se de fato dizer a necessidade”, escreveu Chinua Achebe em seu ensaio” Uma Imagem da África”, “na psicologia ocidental de estabelecer a África como uma folha para a Europa, como um lugar de negações ao mesmo tempo remotas e vagamente familiares, em comparação com o qual o próprio estado de graça espiritual da Europa se manifestará”.

Tanto a escravidão quanto o colonialismo dependiam de confinar o negro, policiar seus movimentos. A primeira coisa que o colonizador fez na África do Sul e no Zimbábue e basicamente em todos os territórios colonizados, foi levar os nativos para municípios, áreas nativas, e proibi-los de se aventurar em áreas brancas, a menos que fossem trabalhadores domésticos, e mesmo assim eles devem levar um passe, da mesma forma que o escravo não poderia se aventurar para fora da plantação sem um bilhete do mestre.

Mas policiar o corpo nunca foi suficiente. A mente tinha que ser policiada, também, pois a mente pode vagar mais do que o corpo jamais pode. No processo de policiamento da mente, danos incalculáveis foram infligidos na psique do homem negro: os cientistas mostraram que traumas associados a terrores como o sofrido pelos colonizados e escravizados podem afetar até mesmo as gerações futuras que não experimentaram esses terrores em primeira mão, modificando seu comportamento na maneira como respondem ao estresse e outros estímulos. Mas o mais óbvio desses efeitos persistentes está na saúde dos negros, tornando-os mais propensos a sofrer de certas doenças em comparação com outras raças. Um estudo descobriu que os negros mais velhos nascidos durante as lutas pelos direitos civis e Jim Crow no chamado Cinturão do AVC (Alabama, Arkansas, Geórgia, Kentucky, Louisiana, Mississippi, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Tennessee) mesmo que não morem mais lá, são mais propensos a doenças mentais como demência e Alzheimer do que o resto da população.

A incapacidade das nações africanas recém-independentes de trabalhar, e o fracasso dos afro-americanos em avançar na América, é frequentemente apontada como evidência da inferioridade inata da pessoa negra, uma espécie de predisposição genética para falhar. Esta acusação muitas vezes sádica ignora o fato de que o colonialismo, como a escravidão, não simplesmente terminou com independência ou emancipação. Os africanos ainda estão lutando contra o neocolonialismo, assim como os afro-americanos estão lutando contra o racismo institucional. Na África, corporações multinacionais intervieram onde as administrações coloniais pararam.

Um bom exemplo é o Delta do Níger da Nigéria, um dos maiores pântanos do mundo, que já abrigou uma variedade de espécies animais agora destruídas principalmente por companhias petrolíferas, enquanto os nativos observam impotentes enquanto suas fontes de subsistência, pesca e agricultura, são levadas embora. Essas empresas não podem ser processadas por comunidades locais ou governos africanos; eles podem fazer ou desfazer governos; eles fomentam guerras civis e presidentes sentados. A Grã-Bretanha e a França, e outros ex-países coloniais, ainda insistem em acordos comerciais e econômicos preferenciais com suas ex-colônias — em detrimento perpétuo dessas ex-colônias.

As fronteiras nacionais artificiais que criaram as novas nações africanas foram desenhadas em 1884 em Berlim por potências europeias para que pudessem explorar esses territórios sem recorrer a conflitos entre si. O africano está preso na teia imperial da Europa assim como o afro-americano está preso no legado da escravidão.

“A função muito séria do racismo… é distração. Isso te impede de fazer seu trabalho. Isso te mantém explicando, repetidamente, sua razão de ser”, diz Toni Morrison em sua palestra de 1975 “A Humanist View”. Isso é verdade, mas o trabalho de desmantelar o legado da escravidão e do colonialismo é tão urgente hoje como sempre foi, não apenas para o benefício do homem negro, mas para o benefício do homem branco também.

A pessoa negra foi descrita como a mais perfeita do ideal americano. Suas lutas pela igualdade sempre aproximarão a América de seus princípios fundadores, de que todos os homens são criados iguais. E, claro, um dos beneficiários mais óbvios das lutas afro-americanas contra a injustiça é o africano — toda liberdade, todo benefício desfrutado por cada homem negro na América hoje é por causa dessas lutas históricas por justiça. Uma das ferramentas mais potentes para combater a discriminação histórica — e digo isso porque sou escritor — é a literatura e as artes em geral. Eles trabalham na mente de uma forma que outras ferramentas de descolonização não podem. Os efeitos da literatura são profundos e sutis e podem mudar a mente não apenas do homem negro, mas também do leitor branco, criando empatia, fazendo com que o opressor fique na pele dos oprimidos, refutando sistematicamente, de forma imaginativa e criativa, afirmações centenanas sobre a superioridade inata de uma “raça” sobre outra.

Toda boa literatura, acredito, é um ato de resistência. Resistir ao status quo, resistir ao mau gosto, resistir ao mal, até que no final o leitor é atingido por uma epifania, como Saul na estrada para Damasco. Enquanto a mídia e os filmes diariamente tentam nos vender o sonho americano de opulência e possibilidades ilimitadas, o escritor desafia essa narrativa brilhante ao mostrar a feia barriga da sociedade americana — das histórias de Bowery de Stephen Crane às aventuras viris de Hemingway às ferrovias subterrâneas de Colson Whitehead, a literatura nos desafia a sair de nossas bolhas e ver que o mundo não precisa necessariamente ser do jeito que nos foi contado. Pode ser refeito.

Uma das literaturas mais emocionantes que desmontam mentiras e voltam ao poder é o afrofuturismo. Emocionante porque, como o nome indica, fez do futuro seu alvo. Ele busca colocar, ou recue, a presença negra na modernidade.

Em seu ensaio, “Stanger in the Village”, James Baldwin afirma que uma das intenções do racismo é manter a pessoa negra fora da modernidade, para provar a ele que ele ou ela não pertence à história da Invenção e da Europa de invenção e arte e cultura e ciência. Em seu livro A Parábola do Semeador, Octavia Butler, uma das vozes fundadoras do afrofuturismo, elabora através de sua protagonista, Lauren Oya Olamina, a crença de que o destino da humanidade é viajar além da Terra e viver em outros planetas, entre as estrelas, por assim dizer, forçando a humanidade à sua idade adulta.

O afrofuturismo é a reivindicação do negro para este futuro intergaláctico, ao lado de outras raças da humanidade. Não apenas para sobreviver à brutal história do colonialismo e da escravidão, e à atual opressão sistêmica, mas para prosperar além dela e fazer um lar nas estrelas.

Isso pode soar como uma visão escapista, mas se for, então é simbólico da própria necessidade de fuga vivida diariamente pelo homem negro.

Eu me tornei um residente americano em 2007 – me pareceu que não era melhor um momento para uma pessoa negra se mudar para a América. Eu vi a ascensão de Obama de um senador júnior para a presidência, e eu disse a mim mesmo, só na América isso pode acontecer, o próprio epítome do sonho americano. Termos como o pós-racialismo foram lançados por jornalistas e comentaristas políticos.

Mas então quase imediatamente a reação começou. Lembro-me da “cúpula da cerveja” na Casa Branca em julho de 2009. Obama usou a palavra “estúpido” para se referir à prisão de um policial branco de um homem negro tentando invadir sua própria casa porque ele havia perdido suas chaves — seria de supor que algumas perguntas simples do policial para confirmar a alegação do homem negro de que esta era realmente sua casa teria resolvido a situação. Especialmente porque, como se viu, este não era um homem negro comum — era Henry Louis Gates Jr., o proeminente professor de Harvard e intelectual público. Obama teve que não apenas retirar publicamente suas palavras, mas também convidar o policial e o Dr. Gates para a Casa Branca ostensivamente para intermediar a paz — mas, na realidade, para apaziguar os brancos sobre chamar um policial branco de estúpido. Era teatro, o homem negro uppity sendo colocado em seu lugar. O status quo estava se reafirmando. Eu soube então que minha lua-de-mel americana tinha acabado.

A 'Cúpula da Cerveja': O professor da Universidade de Harvard Henry Louis Gates, o sargento james Crowley da polícia de Cambridge e o presidente Barack Obama no Rose Garden na Casa Branca, Washington, D.C., 30 de julho de 2009

A ‘Cúpula da Cerveja’: O professor da Universidade de Harvard Henry Louis Gates, o sargento james Crowley da polícia de Cambridge e o presidente Barack Obama no Rose Garden na Casa Branca, Washington, D.C., 30 de julho de 2009PETE SOUZA/CASA BRANCA VIA GETTY IMAGES

A ascensão de Donald Trump ao poder através de desafiar e minar a própria legitimidade do direito de Obama de ser presidente decorre do remorso deste comprador. A ascensão de Trump é um chamado à ação para a maioria das pessoas sentadas na cerca: a percepção de que se queremos a América dos nossos sonhos, temos que nos tornar parte da conversa. Talvez seja por isso que decidi me tornar cidadão este ano, mesmo tendo sido elegível desde 2015 e nunca tinha me incomodado em me candidatar.

É aqui que eu moro. Não posso escapar da busca da alma que a maioria dos pais negros passam todos os dias: Como mantenho meus filhos seguros e também confiantes ao mesmo tempo? Eu tenho um filho jovem e logo, como a maioria dos pais negros, eu tenho que ter “a conversa” com ele. Como faço ele entender isso porque é mais provável que ele seja alvo da polícia do que seus amigos brancos, isso não o torna inferior de forma alguma? Como posso mostrar a ele que ele pode ser sem desculpas negro em um mundo que é branco?

Os atuais protestos do movimento Black Lives Matter fornecem algumas respostas para essas perguntas. Reconhece as imperfeições da América, mas também mostra os pontos fortes da América. Mostra que monumentos erguidos à intolerância e à injustiça podem ser derrubados, que a história pode ser reescrita, que porque você tem poder não significa que você está certo.

Uma democracia sempre será um trabalho em progresso. O trabalho de alcançar a justiça e a igualdade estará sempre em curso. Justiça e igualdade nunca são dadas, eles têm que ser combatidos, especialmente se você é negro.

Fico feliz que meus filhos possam ver que não são apenas os negros que marcham pela igualdade racial, mas também os brancos, não apenas os americanos, mas europeus, asiáticos e africanos. Em última análise, a luta pela igualdade não é sobre Preto contra Branco. Trata-se de certo versus errado.

Helon Habila é o autor, mais recentemente, do romance Travelers. Ele também é professor de escrita criativa na Universidade George Mason, na Virgínia.

An African in America – Tablet Magazine

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História é poder. E uma das bases que alicerçam o racismo é o epistemicídio. O epistemicídio chega antes da bala, chega antes da corrente, chega antes das violências e das desigualdades. Porque, se você não tem uma base que alicerça uma história humana que não seja uma história somente de açoite e chicotes, o que você reconhece na nossa população e como isso cria, na nossa subjetividade, um lugar de desumanização das nossas populações negras. Então, quando você reintegra a história, você reintegra uma possibilidade de reconhecer esses sujeitos que não seja pela desumanização. Nós estamos numa era que muito se fala de Blacks Lives Matter, Vidas Negras Importam. Mas, para essa vida importar, você tem que entender qual é a história que deu sedimento às bases dessas humanidades. A população negra é desumanizada porque a forma de reconhecimento das suas humanidades e da sua ontologia não reconhece a sua história. Então, se desde criança nós conhecemos a história do Ocidente e não reconhecemos outras histórias, e esse Ocidente, porque ele pensa os povos africanos a partir das suas humanidades, da branquitude, a desumanidade já está posta. Então, o reconhecimento das histórias africanas, o reconhecimento da Antropologia Africana, da História Africana, da Filosofia Africana, é um reconhecimento da contribuição dos povos africanos à história do mundo. Pensamento é poder, e, quando você valida essa história, você valida essa humanidade. Então, muito mais do que dizer se existe Filosofia Africana, História, Matemática, é quebrar essa noção de que a população negra não tem capacidade cognitiva de produção de conhecimento, não tem história. Um povo sem história é um povo sem memória, um povo que está a margem do açoite. Então, é de fundamental importância reintegrar essa história e, quando você faz isso, você dá poder a essa história. E é o que acontece. Nós estamos dentro de uma noção cultural que todo o poder é dado ao Ocidente. Então, se esse povo foi o povo que inventou a Filosofia, que inventou a música, inventou a Matemática, eles são os grandes heróis da História. Você precisa reintegrar a História para entender a presença da população negra da História, e não só negra, o mesmo acontece com a população indígena.

Katiúscia Ribeiro em https://www.sul21.com.br/entrevistas-2/2020/11/katiuscia-ribeiro-o-apagamento-do-conhecimento-africano-e-o-alicerce-do-racismo-veio-antes-da-bala-e-das-correntes/

Kiluanji Kia Henda

O artista angolano criador do futuro Memorial às Pessoas Escravizadas, a instalar em Lisboa, fala do processo

de criação desse lugar de reflexão e da democratização da representação no espaço público. Entrevista de André Soares.

Ao fim de séculos dão-se os primeiros passos no sentido da reparação e memorialização das consequências do tráfico de pessoas, num país cuja mitologia fundacional assenta na exploração de outros povos e seus territórios. Numa passagem por Lisboa, Kiluanji falou ao jornalista e antropólogo André Soares do processo de criação da Plantação, um lugar de reflexão, mas também de resistência à violência racista e escravista, processo que tem consequências nos dias de hoje.

O que achaste da iniciativa da Djass – Associação de Afrodescendentes para a edificação de um Memorial às pessoas escravizadas, que vai ser implementada pela Câmara Municipal de Lisboa?
 
A proposta da Djass é de extrema importância porque existe uma falta de representatividade no espaço público, no que diz respeito a história ligada às minorias em Lisboa, neste caso especifico dos afrodescendentes. A inexistência de um memorial sobre a escravatura já me tinha ocorrido há anos, quando vi pela primeira vez o memorial do massacre dos judeus que foram mortos aqui em Lisboa, perto do Rossio. Muitas vezes pensava, como era possível, não existir nenhum memorial sobre a escravatura ou até mesmo sobre a guerra colonial.

A conturbada história da relação entre Portugal e África já é centenária e de repente quando olhamos para o espaço público há uma ausência flagrante na representação dos capítulos que mais marcaram essa relação histórica no espaço público. Lisboa como uma cidade cosmopolita, composta também por comunidades oriundas das ex-colonias. Este memorial, embora seja representação simbólica de um momento trágico para humanidade, não deixa de ser um importante elemento para fortalecer o sentimento de inclusão. Independentemente da sua origem, mesmo sendo uma minoria, os afrodescendentes também são portugueses, é importante que a sua história seja representada no espaço público.

Ao contrário dos monumentos que são celebrados em várias praças da cidade, este memorial não pretende celebrar nenhuma figura histórica, mas sim evitar que caiamos numa amnésia coletiva. Penso que poderá ter um forte componente pedagógico, neste estranho momento em que vivemos, onde assistimos atónitos ao surgimento de movimentos que rejeitam acontecimentos históricos como o Holocausto.

"Plantação". Imagem publicada em memorialescravatura.com
"Plantação". Imagem publicada no site do Memorial (link is external)

“A escravatura deve ser relembrada para além do sofrimento, da dor e do luto”

Como foi o processo de criação do memorial às pessoas escravizadas da Djass – Associação de Afrodescendentes?
 
O título da obra é a Plantação. Já chegou a ter um subtítulo que era “prosperidade e pesadelo”, mas para mim deixou de fazer sentido porque era mais um título de trabalho. Participei no concurso proposto pela Djass, que levou à eleição pública e por afrodescendentes da minha proposta que vai ser agora implementada no Campo das Cebolas. A Plantação nasce da nota concetual da Djass, o que foi importante para ter aceite o convite em participar, identifiquei-me com o conceito, coincidia em muitos aspetos com aquilo que eu acredito que deveria ser um memorial. Tendo em conta esta nota, o envolvimento dos arquitetos e os técnicos da Câmara de Lisboa para a sua materialização tem sido como um processo de criação coletiva fantástico. Definitivamente, considero este memorial como uma obra coletiva, mais do que uma obra de autor.
 
Eu acredito que a escravatura deve ser relembrada para além do sofrimento, da dor e do luto. E isso eu entendi pelas viagens que fiz pela América do Sul e em particular num lugar chamado São Basílio de Palenque, na Colômbia, o primeiro quilombo nas Américas. Ali entendi que muita da mão-de-obra, dessa força de trabalho, que muitos consideravam como força bruta, ia muito além disso. Muita dessa força de trabalho era qualificada e também por isso era explorada. Entre aquelas pessoas havia pessoas com conhecimentos de como tratar o gado, havia pessoas com conhecimentos de como explorar minerais, como gerir os recursos hídricos. E com certeza, era importante refletir o impacto económico nos países que realizaram o tráfico.

A abordagem sobre a morte e a violência é central, mas é de extrema relevância pensarmos na continuidade, do que é que este período que ainda influencia as sociedades contemporâneas. Porque quando falamos do impacto positivo do tráfico de escravos nas economias europeias, falamos de um impacto que ainda tem uma incalculável importância nestas economias até nos dias de hoje. A ideia de que o mundo moderno foi construído sobre os ombros de homens e mulheres escravizados e até crianças, está estampada nesta acumulação de património e capital.
A plantação, mais do que um lugar de transição, era o lugar onde se implementou uma ideologia escravista. É onde se perpetuou o ciclo de sofrimento, a relação de exploração e abuso da casa grande em relação a sanzala, onde se estruturaram as hierarquias sociais. A plantação era o principal fator que alimentava a sanzala de corpos negros traficados, e a mesma plantação alimentava também as mordomias da casa grande.

E que serve de metáfora para hoje? A cidade segregada de Lisboa, a casa grande é alimentada por um conjunto de trabalhadores que vêm perpetuar as mordomias de muito poucos.
 
E que também alimenta as teorias racistas, porque o racismo serve ao capitalismo. E não vale a pena dizer que o racista é ignorante e tem a cabeça pequena, não. Um racista simplesmente usa algo tão básico como a pigmentação da pele como um dos principais fatores discriminatórios, tem como verdadeiro intuito defender os seus privilégios, defender os seus interesses económicos. Infelizmente, a construção, perpetuação de estereótipos e preconceitos claramente racistas, continuam a ser um empecilho para o progresso e o bem-estar das comunidades negras, em muitas partes do mundo.

"Plantação". Imagem publicada em memorialescravatura.com "Plantação". Imagem publicada no site do Memorial (link is external)

A ideia de plantação também remete para a ecologia desses lugares. A natureza manipulada para as monoculturas do capitalismo empobrecendo a natureza, mexendo nos ecossistemas…
 
A ideia do memorial está relacionada com as pessoas escravizadas em Portugal, e como é sabido as vítimas deste tráfico serviam principalmente a indústria do açúcar. A presença destas pessoas na Madeira, ou em Lagos, estava relacionada com a cana-de-açúcar.

Este memorial pretende a representar uma plantação em luto. Uma plantação que nos remete à ideia de natureza manipulada. Manipular a natureza para o crescimento económico que aponta para a prosperidade de um sistema capitalista. Quando nós pensamos nas tragédias da humanidade, muitas vezes deixamos a natureza em terceiro plano. E ela faz parte. Em 2016 realizei uma série de serigrafias intitulada “A Paisagem da Insônia”. Este trabalho tem como base uma série de fotografias de detalhes de árvores, numa estrada que liga a província do Bié ao Huambo, dois lugares onde a guerra civil foi intensa, principalmente na década de 90. Fiz imagens detalhadas de várias árvores enquanto me deslocava de carro pela estrada. A seguir juntei os vários detalhes das árvores para construir uma nova árvore. Este processo de criação, levou-me a pensar não só no impacto que a guerra teve na natureza, mas também sobre a resiliência da própria natureza. Depois de décadas de guerra, muitos animais tinham abandonado o país, começam a regressar à sua “casa”, o que tem provocado alguns incidentes trágicos, pois em muitos destes lugares há agora pessoas a viver. O eterno conflito entre a natureza e a violenta civilização. Por isso é importante que a humanidade, ao contar a sua história das batalhas inglórias, não se esqueça o impacto vil que tem sobre a natureza.

Paisagem da Insônia, 2016
A Paisagem da Insônia, 2016

Faz-me lembrar também, a revolta da Baixa de Cassanje em Malanje, que foi a primeira grande rebelião no tempo colonial em 1960, que antecedeu à guerra colonial. Parte desta revolta estava relacionada com a plantação de algodão e implementação da monocultura. Nestas localidades as famílias eram obrigadas a abandonar as suas lavras para se dedicarem somente a plantação de algodão. Impossibilitados de plantar alimentos, limitavam-se a esperar a comida que lhes era fornecida pelos patrões. Comida má. Enquanto enriqueciam uma minoria burguesa.
A plantação enquanto espaço onde as pessoas foram humilhadas, violadas e maltratadas, tornou-se extremamente importante na minha reflexão sobre a história. Surgiu assim a ideia de instalar essa plantação estéril e em luto. Uma instalação onde os visitantes podem penetrar, e que se converta num espaço de meditação, de reflexão sobre a história, sobre a continuidade dessa violência e sofrimento, mas que acima de tudo, que se aproveite as sombras das canas de açucar para criar um espaço de congregação, daqueles que acreditam que poderemos sempre construir um mundo mais justo e inclusivo.

No teu percurso insistes na reflexão crítica a partir da produção de imagens contra hegemónicas. Lembro-me daquele teu trabalho fotográfico no Padrão dos Descobrimentos com um conjunto de pessoas negras ocupando a proa do monumento. Fala-me um pouco dessa obra e sobre a ideia de intervenção no espaço público desestabilizando as narrativas hegemónicas.
 
Essa fotografia tem por título “A Descoberta”. No fundo deixa de ser a descoberta. Foi feita em 2007 e contou com a participação do António Brito Guterres, foi feita em parceria com uma associação do Lumiar. Eu decidi dar o nome “A Descoberta” porque boa parte dos jovens que participaram nessa intervenção, no Padrão dos Descobrimentos, boa parte deles, nunca tinha estado nessa zona da cidade. Era a primeira vez que visitava essa zona da cidade. Para mim isso era muito especial, ver a forma como reagiam, sobretudo por serem pessoas que nasceram em Lisboa com os seus 18 e 20 anos de idade. Lembro-me até que nesse momento – e ainda nem sequer tínhamos começado a fazer a intervenção, ainda não tínhamos subido para o edifício – a polícia apareceu e começou a questionar o que estávamos a fazer. Era aquela surpresa de ver um grupo de 15 pessoas, maioria rapazes, havia só uma rapariga e a polícia ali meio atrapalhada e surpresa com um grupo de pessoas afro a sair de um autocarro para tomar conta da zona de Belém.

A Descoberta, 2007 A Descoberta, 2007

É necessário repensar sobre o que é que nós pretendemos quando glorificamos certos períodos da história e até que ponto isso se pode tornar ofensivo para certas pessoas que também habitam numa mesma cidade. Porque a história é feita de distintas perspetivas e há a tentativa de se glorificar esse período das descobertas como algo fundacional da identidade portuguesa até aos dias de hoje e que é no fundo a relutância dessa presença africana e da sua contribuição para aquilo que é a cidade hoje. E é preciso pensar que muitos daqueles que são considerados heróis noutros lugares de África, também são parte dessa história portuguesa. Embora seja sempre o vencedor a contar a história, mas mesmo aqueles que foram derrotados, mesmo os que foram dominados, são parte dessa história. Então, é preciso haver essa abertura para quando queremos fazer uma abordagem ao passado. E hoje é cada vez mais importante. O que eu tento através do meu trabalho é essa democratização da representação no espaço público, nos espaços de exposição.

“Hoje o que se pede é o mínimo de empatia e honestidade quando somos confrontados com factos históricos”

As outras perspetivas?
 
Sim, existem outras perspetivas, mesmo aquelas a partir dos supostos derrotados, essas também são importantes. Elas também têm que ter o seu espaço de representação, são importantes para o nosso sentido de humanidade. E aí onde está a grande reviravolta. Timidamente começa a acontecer hoje, nós pensarmos, o que é que nos interessa sermos vencedores? Como se costuma dizer, numa guerra quem é vencedor afinal? Numa guerra somos todos perdedores.

No fundo, se olharmos para o que foi a escravatura, o que foi a colonização, o trabalho forçado, a guerra colonial, acabamos por perder todos. Acabaram por perder os próprios portugueses, porque parte da sua humanidade foi comprometida nesses atos. E hoje o que se pede é o mínimo de empatia e honestidade quando somos confrontados com factos históricos. Quando falamos dos capítulos trágicos da história, não é certamente para incitar o ódio, ou dividir o mundo entre os “bons” e os “maus”, os extremismos tendem a anular o diálogo e a diversidade de pensamento. A história já nos ensinou as graves consequências quando nos tornamos incapazes de dialogar, pois somente dialogando será possível perceber a complexidade dos eventos que moldaram profundamente o que somos.

A ideia de reparação?
 
Há muitos modos de se pensar na reparação. Muitas vezes, quando se fala em reparação pensa-se logo em grandes somas de dinheiro transferidos para África. Não deixa de ser legítimo, porque é possível contabilizar em números os ganhos que se obtiveram com tráfico transatlântico. Já se sabe da participação dos bancos no processo escravista, o chamado capitalismo escravocrata. Pode-se calcular esse número e chegar a uma reparação por essa via. Mas culturalmente falando não é bem essa reparação, vai muito mais além do que números. É mais do lado da empatia sobre a dor alheia, o espaço de voz, do outro lado, de quem foi vítima. No fundo, sempre existiram estratégias de silenciamento das pessoas que foram vítimas de processos violentos ao longo da história.

Tenho visto diversas vezes que cada vez que uma pessoa negra se indigna pelo facto de ter sofrido uma injustiça, a nova estratégia de silenciar é acusá-la de “vitimismo”. No Brasil chamam de mimimi. Não se pode falar, não se pode dizer nada. As pessoas têm que perceber que ao longo da história houve formas muito violentas de silenciar essa dor e essa indignação. O norte-americano considerado o pai da ginecologia moderna, James Marion Sims, operava as mulheres negras sem anestesia, porque dizia que as mulheres negras tinham uma maior capacidade para suportar a dor. O Padre António Vieira que dizia que a salvação da alma dos negros era no cativeiro, como forma de amansar o espirito dos africanos escravizados mais revoltados. Ou aquela conversa que até hoje ainda persiste, de que o negro não deprime. Tudo tentativas de apagar e silenciar. Mesmo quando não estamos a falar de algo abstrato, como o caso da Claúdia Simões espancada pela polícia, por ter embarcado num autocarro sem bilhete. Só as pessoas que sofreram essa dor, essas injustiças, podem falar sobre isso. Por uma questão de decência, cabe-nos a nós escutar, e sermos solidários quando necessário.

“Não há coisa pior que celebrar a vitória sobre um inimigo, que é o seu próprio povo”

Reparação através da escuta contra a perda da humanidade?
 
Sim, a perda do sentido de humanidade é a grande derrota dos povos que dominaram os outros. Foi a perda dessa humanidade por atos horríveis. E mesmo falando de uma geração que não foram eles que cometeram esses crimes. Mas são herdeiros, vivem desse passado e têm um certo privilégio e um certo conforto de vida que é resultado desse processo, mas mesmo assim vivem em constante negação. Penso que a arte pode ser um meio efetivo para reavivar essa empatia. Como disse antes, numa guerra somos todos perdedores. Eu sei do que falo, pela questão em Angola. Não há coisa pior que celebrar a vitória sobre um inimigo, que é o seu próprio povo.

Que ainda por cima é o seu próprio povo…
 
Olha para a América de hoje que andou pelo mundo, supostamente a defender a democracia, chacinaram povos, promoveram golpes de estado e hoje vemos a quantidade de veteranos de guerra norte-americanos que estão completamente traumatizados, que são um fardo pesado para seu país. Veja-se no ataque ao Capitólio, uma mulher que era veterana há 14 anos na força aérea americana e que levou um tiro no peito, lá bem dentro do Capitólio. Olhar para esse país e ver a herança nefasta dessa violência e dessas guerras é bastante revelador. Por mais que os Estados Unidos exibam a sua gloriosa águia e toda a sua supremacia militar, no fundo, acabou por ter uma comunidade considerável de pessoas traumatizadas e mutiladas, onde muitos se tornaram terroristas domésticos facilmente manipulados pelo discurso de ódio e ansiosos por sabotar a democracia do seu próprio país. E a cura, por certo, não será através de discursos inflamados sobre o sentimento patriótico de ser americano.

A arte pode curar feridas?
 
Pode ajudar confrontar a causa das feridas. Picasso dizia que a arte é uma mentira que diz a verdade. Nesse momento em que a verdade está em crise, talvez tenhamos que recorrer à ficção para compreender o mundo surreal em que vivemos. Muitas das coisas que me movem no meio artístico e nos tópicos que exploro, não é motivado por razões caritativas. Existe uma grande indignação em mim. Uma raiva sobre as várias injustiças em diferentes períodos da história e que se tem perpetuado até na minha geração. Uma indignação de viver num país destroçado, que não consegue encerrar os vários ciclos de violência que ocorreram ao longo da história, e ocorrem até nos dias de hoje, pois a miséria também é uma forma de violência, das mais cruéis. A arte é um meio pacífico de expressar essa revolta, um meio capaz de intermediar as nossas frustrações, trazendo a luz múltiplas formas de vida, que extravasam o sentido real.

O objeto em si, deixa de me pertencer no momento em que é criado, e só passa a ter sentido no momento em que é capaz de interagir e tocar nas emoções de quem o observa. Então, mais do que uma questão estética, ou a possibilidade de moldar a matéria, eu crio arte para provocar emoções.

Fonte: Kiluanji Kia Henda: “Eu crio arte para provocar emoções” | Esquerda

Doze homens em um ano

“Matéria primeira de todo romance, o tempo é o tecido no qual se inscreve e se enuncia desde o título a trama de Doze homens em um ano. Estruturalmente significativo – um capítulo para cada mês do ano e para cada homem possuído pela protagonista e narradora Ariane, o romance não nega a vocação de Carlos Francisco de Morais para a narração de uma boa história, onde se equilibram referências contemporâneas do universo urbano, virtual, jovem, e a evocação elegante de índices da cultura erudita.” 
(
Trecho do texto de Eduardo Veras, Professor da Universidade Federal do Tiângulo Mineiro, para a orelha do livro).

“Ariane, protagonista do romance Doze homens em um ano, de autoria de Carlos Francisco de Morais, chegou em mim como uma tempestade, desarrumando as minhas ideias, me enchendo de dúvidas e me provocando a olhar para além do aparente. Que mulher é essa que fala de relações sexuais (as próprias, diga-se de passagem) assim de forma tão escancarada? Foi assim que as primeiras páginas deste livro me instigaram. Eu quis saber quem era Ariane, que já começava as primeiras horas do ano de forma tão peculiar.”
(Trecho da Apresentação –Tais Pereira de Freitas, Professora da Universidade Federal do Tiângulo Mineiro).

“O romance ‘Doze homens em um ano’ relata o cotidiano amoroso, familiar e profissional de Ariane, uma jovem engenheira química negra, que atua como perfumista. Ao longo do ano de 2018, ela passa por situações engraçadas, perigosas e emocionantes. O cenário do enredo é a cidade de São Paulo, ambiente em que o autor sempre situa seus romances, que sempre trazem como protagonistas pessoas negras de classe média, uma camada social praticamente invisível na literatura brasileira

Carlos Morais - Foto: Elioenai Amuy

(Carlos Morais).

https://www.editoraatafona.net/carlos-francisco-de-morais

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Adão Ventura foi neto de trabalhadores de mina, fazenda e escravos. Seus textos refletem sua vivência durante a infância e juventude em que viveu com sua família. Sua paixão pela escrita iniciou ainda no interior, e mais tarde em Belo Horizonte.

O escritor graduou-se em Direito pela UFMG e trabalhou como revisor do Suplemento Literário do Minas Gerais, publicação criada em 1966 responsável pela estreia de muitos autores como Luiz Vilela, Ivan Ângelo, Libério Neves, além de Adão.

Adão publicou seu primeiro livro em 1970  “Abrir-se um abutre ou mesmo depois de deduzir dele o azul”, poema em prosa, classificado como texto surrealista. Em 1971 foi agraciado pelo “Prêmio Revista Literária da UFMG” e em 1972 o “Prêmio Cidade de Belo Horizonte”.

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Obra Publicadas

  • Abrir-se um abutre ou mesmo depois de deduzir dele o azul. Belo Horizonte: Ed. Oficina, 1970. (prosa poética).
  • As musculaturas do arco do triunfo. Belo Horizonte: Editora Comunicação, 1976. (prosa poética). Jequitinhonha (poemas do vale). Belo Horizonte: Coordenadoria de cultura do Estado de Minas Gerais, 1980. (poemas).
  • A cor da pele. Belo Horizonte: Edição do Autor, 1980. (poemas).
  • Pó-de-mico de macaco de circo. Belo Horizonte: Edição do autor, 1985. (literatura infantil). Texturaafro. Belo Horizonte: Editora Lê, 1992. (poemas).
  • Litanias de cão. Belo Horizonte: Edição do autor, 2002. (poemas).
  • Antologias Antologia poética. Belo Horizonte: Editora Interlivros de Minas Gerais, 1976.
  • Cem poemas Brasileiros. São Paulo: Ed. Vertente, 1980. Momentos de Minas. Coletânea de textos. Vários autores. São Paulo: Ática.
  • A razão da chama – antologia de poetas negros brasileiros. Organização de Oswaldo de Camargo. São Paulo: GRD, 1986.
  • Axé: Antologia de Poesia Negra Brasileira. Organização Paulo Colina. São Paulo: Brasiliense, 1986.
  • Cultura Afro-Brasileira. Organização de Adão Ventura. Suplemento Literário de Minas Gerais. Belo Horizonte, n. 1033, 26 jul. 1986. Número Especial. Revista Exu, Fundação Casa de Jorge Amado, Salvador, ano V, n. 25, p. 14-15, jan./fev. 1992.
  • Sincretismo: a poesia da Geração 60 – introdução e antologia. Organização de Pedro Lyra. Rio de Janeiro: Topbopoks, 1995.
  • Signopse: a poesia na virada do século. Organização de Wagner Torres. Belo Horizonte: Plurarts, 1995.
  • Belo Horizonte: a cidade escrita. Organização de Wander Melo Miranda. Belo Horizonte: Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 1996. p. 184 Cantária. Organização de Wagner Torres. Belo Horizonte: Plurarts, 2000. p. 11-34.
  • Os cem melhores poemas do século. Organização de Ítalo Moriconi. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. Companhia de poetas. Coordenação de José Alberto Pinho Neves. Juiz de Fora: FUNALFA, 2003.
  • LITERAFRO – http://www.letras.ufmg.br/literafro Costura de nuvens. Sabará: Edições Dubolsinho, 2006.
  • Roteiro da Poesia Brasileira: Anos 70. Organização de Afonso Henriques Neto. São Paulo: Global, 2009.
  • Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. Vol. 2, Consolidação. Organização de Eduardo de Assis Duarte. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
  • Publicações no exterior Antologia da novíssima poesia brasileira. Organização de Gramiro de Matos e Manuel de Seabra. Portugal: Livros Horizonte, [19-?]. (Coleção Horizonte de Poesia).Modern Poetry in Translations 19-20 (Uma Antologia de Poetas dos séculos XIX e XX). Edições do International Writing Program – University of IOWA, Iowa city, USA, 1973. Revista Nova (1) – (Antologia de Poetas do Mundo Hisapano-Americano. Portugal, 1975. Schwarze poesie. Poesia Negra Antologia (17 poetas negros). Alemanha: Edition Dia, 1988.

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Adão não deixou de citar sua vivência em Minas Gerais em seus poemas, como em “Paisagens do Jequitinhonha” e  “Araçuai, Coronel Murta e Itinga: Garimpagem”. Minas Gerais sempre esteve presente em suas obras, assim como as mazelas do povo negro.

Segundo o grupo de estudos Literafro – Portal de Literatura Afro Brasileira da UFMG, o acervo repleto de documentos, objetos pessoais, correspondência, clipagem de notícias de jornais, racismo e preconceito além de rascunhos de poemas de Adão Ventura foi doado e está disponível na Universidade Federal de Minas Gerais, alocado no Acervo de Escritores Mineiros do Centro de Estudos Literários e Culturais.

Adão faleceu precocemente aos 64 anos, deixando textos ainda não publicados.

Leia Adão Ventura. Leia autores negros!

Fonte: https://belezablackpower.com.br/2016/08/16/serie-leia-autores-negros-adao-ventura/

                                               
          “Para mim, arquitetura significa processo, experimentação e trabalho em equipe.”
   
—Francis Kéré

O arquiteto africano Diébédo Francis Kéré, vencedor de diversos prêmios internacionais, é conhecido por sua abordagem multicultural da arquitetura. Embora seu escritório, Kéré Architecture, esteja instalado em Berlim, muitos de seus projetos são desenvolvidos em seu país natal, Burkina Faso, na África Ocidental, onde é conhecido por incorporar materiais vernaculares e mão de obra local em seus projetos.

“Estou trabalhando entre dois continentes, ou duas culturas. E estou, de algum modo, fazendo a ponte”, nos disse Francis Kéré na abertura da Bienal de Veneza deste ano. Dentre os projetos desenvolvidos por seu escritório estão a Biblioteca Escolar em Gando, o Centro para a Arquitetura da Terra e o Parque Nacional de Mali.

Nessa entrevista, Kéré explica sua abordagem em relação à arquitetura – que assume posturas diferentes em Berlim e em Burkina Faso – e comenta o que significa “absorver a modernidade” em seu país.

Veja a entrevista em vídeo no link abaixo:

http://www.archdaily.com.br/br/626119/ad-brasil-entrevista-diebedo-francis-kere-kere-architecture

Sobre o arquiteto e sua obra veja mais em: 

http://www.kere-architecture.com/

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Por Dirce Waltrick do Amarante*
Chega agora ao Brasil, em tradução de Lubi Prates, a poesia completa da norte-americana Maya Angelou (1928-2014), pseudônimo de Marguerite Ann Johnson, uma das vozes negras mais importantes do século 20. Angelou foi poeta, romancista, atriz, roteirista, jornalista, cantora, dançarina e professora. Acima de tudo, foi uma grande ativista, que denunciou em suas obras o que é ser negro em uma sociedade extremamente racista como a norte-americana. Atuou ao lado de duas grandes personalidades na luta pelos direitos dos negros, Martin Luther King Jr. e Malcolm X. Dedicou o poema Seu Dia Acabou a Nelson Mandela, llider que deixou herdeiros, os quais atenderão generosamente aos gritos/ De Negros e Brancos,/ Asiáticos, Hispânicos,/ Dos pobres que vivem penosamente/ No chão do nosso planeta.

Em Eu Sei Por Que o Pássaro Canta na Gaiola (1969), a primeira de uma série de autobiografias escritas por Angelou, confessa que é horrível ser negra e não ter controle sobre a minha vida. Seus poemas mantém esse tom confessional e de denúncia. Em Estados Unidos da América, por exemplo, o leitor conhece um lado obscuro de um país conhecido por ser a terra onde os sonhos se realizam: O ouro de sua promessa/ nunca foi extraído// O limite de sua justiça/ não esta¡ bem definido// Suas colheitas abundantes/ a fruta e o grão// Não alimentaram os famintos/ nem aliviaram sua dor profunda// Suas promessas orgulhosas/ são folhas ao vento// Sua orientação segregacionista/ é amiga da morte de negros.

Leia mais em

https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/poesia-completa-de-maya-angelou-ativista-pelos-direitos-civis-é-reunida-no-brasil/ar-BB158mqc?ocid=spartan-ntp-feeds

 

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“Maya Angelou Poesia Completa”

Editora Astral Cultural, 336 páginas, 2020.

 

Através de sua ilustre carreira na Literatura, Maya Angelou presenteou, curou e inspirou o mundo com suas palavras. Agora, a beleza e espírito dessas palavras vivem nesta nova e completa coleção de poesia que reflete e honra a vida notável da escritora. Todas as suas frases poéticas, todos os seus versos comoventes podem ser encontrados nas páginas deste volume – de suas reflexões sobre a vida afro-americana à celebração revolucionária da condição da mulher negra. Atemporal, essa compilação definitiva aquecerá os corações dos mais ardentes admiradores da Maya Angelou assim como introduzirá novos leitores à poeta legendária, ativista e professora – uma mulher extraordinária para a atualidade.

https://www.travessa.com.br/maya-angelou-poesia-completa-1-ed-2020/artigo/c0b9c6a1-321d-4552-a937-12602e8922c6

Appendix: Interview with Paulin J. Hountondji | SpringerLink
Paulin J. Hountondji

Profundamente envolvida no debate sobre a interpretação das realidades sociais e culturais da África desde meados da década de 1970, a obra do filósofo beninense Paulin J. Hountondji produziu significativo aporte teórico e metodológico sobretudo naquilo que concerne aos conceitos axiais de extroversão e endogenia vinculados ao pensamento africano contemporâneo.

Fonte: https://proceedings.science/copene-sul/trabalhos/extroversao-autonomia-intelectual-e-pensamento-endogeno-na-obra-de-paulin-hountondji

O Antigo e o Moderno: A Produção do Saber na África Contemporânea

“O Antigo e o Moderno: A Produção do Saber na África Contemporânea” coloca os leitores diante aquelas que são hoje as questões centrais ligadas à produção do conhecimento em África: Como é que se articulam, em África, no domínio do saber e do saber-fazer, e tendo como referência as normas que presidem à ação, o antigo e o moderno? O que é que sabíamos ontem e como é que o sabíamos? O que é que sabíamos fazer? Que sabemos hoje e como o sabemos fazer? Que relação existe entre estes saberes e saberes-fazer de hoje e os de outrora? Qual era ontem e qual é hoje a parte de mito que existe naquilo que julgamos saber? E como é que vamos definir, em cada caso, o núcleo duro de conhecimentos sólidos e universalmente válidos?

Paulin Hountondji é um filósofo, político e acadêmico beninense. Desde os anos 1970, leciona na Université Nationale du Bénin, em Cotonou, onde é professor de filosofia. No início dos anos 90, ele atuou brevemente como Ministro da Educação e Ministro da Cultura e Comunicações no governo do Benin. 

Malcolm X por Gordon Parks