Manifestação

O povo de Aécio

Por Marcos Coimbra*

 

Quem saiu às ruas no domingo 13 não representava o conjunto da sociedade. Era rico, branco e eleitor do tucano

 

O sistema político foi dormir menos sobressaltado, mas ainda preocupado, depois das manifestações do domingo 13. Nada de verdadeiramente novo aconteceu “nas ruas” e o fato significativo foi de que algumas nuvens no horizonte ficaram mais escuras.

A mídia procurou amplificá-las, em manchetes de jornal e na cobertura intensiva na televisão. Chamou os acontecimentos de “maior ato da história”, em risível exercício de negação da própria história. Maiores que alguns protestos na década de 1960, como a Passeata dos 100 Mil, no Rio de Janeiro? Maiores que as manifestações em favor das eleições diretas nos anos 1980?

Pretender que eventos tão distantes sejam comparáveis é forçação de barra. Em um Brasil com um terço da população atual e em plena ditadura, 100 mil cidadãos nas ruas para protestar significam muito mais do que foi visto agora na Praia de Copacabana. Os “comícios das Diretas” não foram simultâneos e os participantes tinham consciência do risco que corriam ao confrontar o regime militar. Como dizer que foram menores?

Em relação às manifestações, tanto no dia 13 quanto ao longo de 2015, a questão relevante nunca foi de “quantos”, mas de “quem”. É exatamente o inverso das mobilizações durante a ditadura, nas quais a quantidade era atributo fundamental, a ponto de aquela “dos 100 mil” haver se tornado memorável pelo simples fato de atrair tanta gente.

Embora as pesquisas a respeito das características dos manifestantes do domingo tenham sido feitas em poucas cidades, revelam um quadro sempre igual: quem foi às ruas não espelha nossa sociedade.

Seria de se esperar que a principal diferença entre eles e aqueles que não aderiram às passeatas estivesse no grau de interesse e de envolvimento com a política: os motivados saíram de casa e os desmotivados ficaram (ou foram fazer outra coisa). Mas não é isso que as pesquisas mostraram.

Os manifestantes não representam a parcela politicamente mobilizada da sociedade, apenas um segmento dela. Não são “o Brasil que se opõe” a alguma coisa, mas uma parte que não expressa o todo, nem do ponto de vista socioeconômico nem em termos político-partidários.

Aécio-Neves
Em São Paulo, 79% dos manifestantes votaram em Aécio (Foto: Lula Marques/Agência PT)
Em todas as cidades, as pesquisas apontaram que os participantes eram mais ricos, tinham mais educação formal e eram mais brancos que a média da população. Que a proporção de cidadãos mais velhos era maior, assim como a de empresários e profissionais liberais.

O mais importante é, porém, o fato de os manifestantes não exprimirem a diversidade de opiniões existente na sociedade. Em São Paulo, 79% daqueles que participaram do ato votaram em Aécio Neves em 2014. Em Porto Alegre, 76%. Nas duas cidades, somente 3% dos entrevistados disseram ter votado em Dilma Rousseff.

Não se trata apenas de ricos e brancos. Quem desfilou pelas ruas é fundamentalmente rico, branco e eleitor de Aécio Neves. É esse o perfil de quem atendeu às convocações dos partidos políticos, das lideranças e dos meios de comunicação claramente oposicionistas.

Ao se considerar o vasto investimento na organização das manifestações e o esforço da mídia, em especial do Sistema Globo, para engrossá-las, o acréscimo nos números, em relação ao início de 2015, foi modesto. Não conseguiram que crescessem como desejavam e foram incapazes de diversificar e ampliar o recrutamento de participantes, a fim de torná-los mais representativos.

Além dessa mídia, que pôde perceber que seu poder é menor do que imaginava, quem deve estar preocupada é a oposição. Se em São Paulo quase 80% dos manifestantes eram eleitores do PSDB, como justificar as vaias recebidas por seus expoentes? Como explicar que o antigo eleitorado tucano prefira opções ainda mais à direita? Quem achava que mais lucraria ao acender a fogueira saiu chamuscado.

Tanta coisa aconteceu de domingo para cá que as manifestações parecem longínquas. Mas é bom ter em mente o que foram efetivamente, para evitar a prevalência de versões falsificadas capazes de atrapalhar a interpretação do nosso momento tão delicado. O “povo brasileiro” não se manifestou, mas os eleitores de Aécio. Tinham todo o direito de fazê-lo, mas não são o País.

*http://www.cartacapital.com.br/revista/893/o-povo-de-aecio

Foto de André Tambucci

negros protestos

OS NEGROS NOS PROTESTOS ANTIDEMOCRÁTICOS.

POR CIDINHA DA SILVA*

 

Nas manifestações seletivas contra a corrupção no país, pessoas negras são notadas pela ausência coletiva e pela presença pontual, como pingos de café no leite. Pingos amargos de lembrança dos lugares subalternizados que ainda ocupamos nessa sociedade.

O caso da negra babá e do casal branco com dois filhos (cuidados por ela) e um cachorro (cuidado por eles), celebrizado na manifestação carioca, é bastante elucidativo.

Existem outros tantos trabalhadores negros presentes, além das babás, a saber: vendedores de cachorro-quente, pipoca, água, cerveja, guloseimas regionais como acarajé, tucupi, tapioca, amendoim e côco queimado, a depender da cidade.

Mas veremos principalmente mulheres, crianças e homens negros arrebentando a coluna no abaixa-levanta do recolhimento das latinhas de bebida para aferir um dinheiro parco com a reciclagem de rejeitos.

Haverá também policiais negros risonhos para o selfie com os manifestantes brancos e “ordeiros” que, pela frente, os tratarão como seres humanos ou heróis.

Pelas costas, porquanto as “pessoas de bem” revisitem os registros fotográficos, dirão coisas como: “olha o imbecil achando que é gente” ou “olha o macaco mostrando as canjicas”! Pois só os imbecis acham possíveis as alianças com os racistas.

Não nos esqueçamos do laborioso serviço de limpeza urbana composto por mulheres e homens negros responsáveis pela coleta de lixo, varrição e lavagem das ruas pós-manifestações. Ali, os negros serão abundantes.

Além das trabalhadoras e trabalhadores negros que prestam serviços diversos nas micaretas da oposição verde e amarela, veremos figuras negras esparsas, rabiscos de imperfeição e deslocamento nas telas de saudação nazista, nos grupos que espancam certos brancos porque têm cara de petistas ou vestem roupas que os identificam como “revolucionários de esquerda”, na visão da extrema direita.

Não são inocentes, outra vez, são imbecis úteis. Serão os primeiros a ouvir o “coloque-se no seu lugar”; “volte para sua insignificância” ou, “sabe com quem você está falando”?, tão logo se achem “iguais” em demasia. Assim o racismo opera.

Negros zelosos da própria segurança física evitarão passar perto das manifestações de direita, pois sabem que só os negros da casa grande são bem vindos. Os demais, quaisquer outros, podem ser espancados até a morte. Nesse sentido, o uniforme branco das babás negras as protege ao demarcar que são serviçais naquele ambiente, não mulheres negras fora de lugar.

*http://www.diariodocentrodomundo.com.br/os-negros-nos-protestos-antidemocraticos-por-cidinha-da-silva/