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Sobre racialismo, pós-colonialismo e desigualdade — e o poder da literatura

Por Helon Habila

Ouvi muitos africanos dizerem que nunca souberam que eram negros até virem para a América, ou para a Europa, e só então perceberam que sempre eram negros. É como Adão e Eva de repente descobrindo que eles estão nus; Como a infância de repente chegando ao fim – nada nunca mais será o mesmo novamente.

Há uma anedota em Seus Olhos Estavam Assistindo a Deus (1937), de Zora Neale Hurston, quando a narradora, Janie, aos 6 anos, de repente descobre sua negritude. Ela vive em uma casa não-egregada na Flórida com sua avó que trabalha para uma família branca liberal; todas as crianças da casa são brancas, exceto ela, todas brincam juntas, um dia um fotógrafo tira uma foto das crianças em jogo e quando a foto desenvolvida vem, cada criança se identifica facilmente na foto, exceto Janie. Finalmente, Janie chega à conclusão chocante de que a garota de cor não identificada na foto tem que ser ela: “… antes de Ah visto de imagem, Ah pensei que eu era como o resto”, disse ela.

Tal dissonância cognitiva ilustra tão bem a ideia de raça ser uma construção. Éramos todos simplesmente seres humanos antes de nos tornarmos uma categoria racial, antes que alguém decidisse que há benefício em classificar os seres humanos em hierarquias e grupos, com o homem branco no topo, e o homem negro na parte inferior.

Pergunte a qualquer africano na América e ele ou ela tem certeza de ter uma anedota pronta para “descobrir meu momento blackness”. A maioria dessas anedotas envolve as autoridades. Um amigo me contou que, em seu primeiro dia na América, ele foi parado pela polícia por suspeita de roubo — parece que um assalto tinha acabado de ser chamado e o autor coincidiu com sua descrição: jovem, negro, homem.

Para mim, era 2004. Eu estava visitando Nova York pela primeira vez. Eu estava no metrô e precisava de direções e então, logicamente, eu fui até um policial parado ao lado das catracas, quando me aproximei eu o vi tenso, com os olhos focados no meu rosto, sem sorrir, e quando me aproximei vi sua mão cair para sua arma. Parei e gaguejei minha pergunta— eu estava procurando a saída norte. “Continue andando”, ele me disse friamente. Tudo o que vi foi um policial cujo trabalho deveria ser ajudar. Tudo o que ele viu foi um jovem negro se aproximando dele. Está em seu DNA como um policial americano me ver como uma ameaça.

Em seu brilhante ensaio “The Long Blue Line” no The New Yorker, Jill Lepore descreve os antecedentes do policiamento na América, traçando suas raízes em patrulhas de escravos, Jim Crow, e culminando no stop-and-frisk do prefeito Rudy Giuliani e na violência contínua contra os negros pela polícia hoje, concluindo que o policiamento na América significa principalmente o policiamento de corpos pretos e marrons, imigrantes e a desonça sindical ocasional. Ela mencionou os códigos de escravos de 1680 que explicitamente concederam a qualquer homem branco o direito de capturar e até mesmo matar qualquer escravo fugitivo. Todos os cidadãos, ou seja, brancos, tinham o direito legal de “prender e tomar o referido negro”, e se o negro resistia, “então, em caso de tal resistência, era legal para tal pessoa [branca] ou pessoas matarem o referido negro ou escravo. …”

É claro que os africanos, como Janie, sempre souberam que eram negros — eles nunca souberam que deveriam se sentir inferiores por causa da cor da pele. A maioria deles, especialmente da África Ocidental, cresceu em sociedades racialmente homogêneas. O colonialismo foi há muito tempo. Eles foram para escolas all-Black e trabalharam em escritórios all-Black. As pessoas mais ricas que já conheceram, e as mais poderosas, incluindo a polícia e os políticos, eram todas negras. Ser negro não era nem um parente nem um estado desfavorecido, era o estado normativo. Eles não tinham aprendido a associar cor com privilégio em um sentido experiencial. Eles não tinham ideia de que deveriam ter vergonha da cor de sua pele, e pelo contrário, eles foram criados para se orgulhar de sua cultura e sua negritude.

A maioria dos imigrantes africanos no início acha difícil entender o racialismo americano, e assim, em vez de se envolver na guerra racial, eles tentam ignorá-lo. Eles mantêm suas comunidades. Eles mantêm uma distância dos afro-americanos que deveriam ser seus aliados naturais; eles acham mais fácil fazer amizade com brancos liberais do que com afro-americanos.

Os africanos não podem se tornar afro-americanos da maneira como um imigrante da Ásia pode automaticamente se tornar asiático-americano, ou um imigrante da Itália pode se tornar ítalo-americano. Sim, eles são considerados pela polícia, pela estrutura de poder, como negros, mas eles sempre se vêem como americanos ganeses, ou nigerianos americanos, ou apenas como africanos, mas não afro-americanos. Seus filhos podem se tornar afro-americanos — um bom exemplo seria o primeiro presidente negro da América, Barack Obama, filho de um pai queniano que cresceu como afro-americano. Eles se vêem como aqui temporariamente; eles estão aqui para trabalhar, para construir um pouco de capital, para aproveitar as oportunidades que a América oferece, oportunidades que eles nunca podem ter de volta para casa, antes de se aposentar de volta para a África.

Mas é claro que a maioria deles nunca volta — eles não podem voltar porque não se encaixam em casa. A América tornou-se seu lar físico enquanto seu país natal sempre será seu lar mental. Eles vivem em um estado de lealdade dividida, uma espécie de limbo imigrante.

Eu vivi na América por cerca de 13 anos agora, e só este ano eu tenho sido capaz de escrever um conto ambientado na América. Isso não é porque senti que não tinha ganho o direito de escrever sobre minha experiência americana — embora seja em parte isso — mas também é uma relutância em virar as costas ao meu país natal, a Nigéria. Primeiro tive que convencer minha psique de que a América é onde moro, e porque moro aqui não tenho apenas o direito, mas também o dever de escrever sobre isso.

Nenhum grupo racial na América tem uma história tão única e singular como a dos afro-americanos. Para se tornar afro-americano é preciso compartilhar a história, a cultura e a experiência total de ser negro na América. O que é Kwanzaa? Quando é Juneteenth? Eu não tinha ideia do que era o Mês da História Negra até vir para a América.

Ser negro, ou ser discriminado, não faz de você afro-americano. Da escravidão à emancipação a Jim Crow aos direitos civis, os afro-americanos se envolveram em uma luta perpétua contra um sistema projetado para mantê-los para baixo. Em “Black Matters”, um capítulo de seu livro Playing in the Dark, Toni Morrison explica como a maioria das instituições e literatura americanas são moldadas pela reação consciente ou inconsciente à presença negra. Se a América é um caldeirão, ela afirma, os negros são a panela, todas as outras raças estão unidas dentro da panela em oposição à Escuridão.

Talvez a ilustração mais penetrante de Morrison da experiência negra na América esteja em sua personagem protagonista, Sethe, em Amado , uma escrava fugidaque decide matar seus próprios filhos em vez de tê-los de volta à escravidão. Na América, famosa por sua opulência e plenitude material, onde a própria definição do sonho americano é alcançar o sucesso material — casa, carros, dinheiro no banco — o homem negro é resolutamente e impiedosamente negado acesso a este sonho. Como Sethe, o negro deve aprender a amar em pedacinhos. Ele não pode amar demais ou esperar demais porque o que ele ama pode ser tirado dele a qualquer momento pelas autoridades. E assim, a própria definição da experiência negra na América é de negação: o homem negro e a mulher são definidos não pelo que ele ou ela pode se tornar, mas pelo que ele ou ela não pode se tornar.

E ainda assim, apesar das algemas, o negro persiste, cria música, ciência, literatura, comunidade, mesmo sob este joelho simbólico pressionando seu pescoço. “E ainda assim eu me levanto”, escreveu Maya Angelou.

Langston Hughes diz tudo nestas linhas:

A América nunca foi
a América para
mim, e ainda assim eu juro: a América será!

Muitos paralelos podem ser traçados entre a experiência africana do colonialismo e a experiência de escravidão dos afro-americanos. Ambos os sistemas foram projetados para subjugar e desapropriar o homem negro — na África, o nativo. Ambos os sistemas giravam em torno dos três pilares da terra, do trabalho e da cultura. Tirar a terra dos nativos, ou, no caso da escravidão, tirar o nativo da terra; obrigar o nativo a trabalhar a terra roubada em benefício do mestre; e, finalmente, destruir o orgulho cultural e histórico do nativo, fazendo-o acreditar que ele é inerentemente inferior ao colonizador ou mestre escravo.

Desses três fatores, o cultural é o mais insidioso e o mais prejudicial. Nenhum mestre escravo ou colonizador pode conseguir suprimir outro ser humano por um período sustentado de tempo, a menos que ele seja capaz de convencer essa pessoa de que ele merece ser suprimido. Para o africano, essa lavagem cerebral cultural é a origem da política de culpa pós-colonial e vergonha. Isso não acontece da noite para o dia, é o produto de décadas de trabalho de doutrinação do colonizador, de administradores coloniais trabalhando em conjunto com missionários e escolas para convencer o africano de que seus deuses são ídolos inúteis, sua religião mera superstição, e que ele não tem história antes do colonialismo — na verdade, que tudo o que existia até então era um longo , noite escura da qual ele foi misericordiosamente resgatado pelo colonialismo, ou escravidão.

Mas muito antes de convencer os colonizados e escravizados de seu status inferior, o europeu teve que primeiro convencer-se de sua superioridade inventando raça. “Há o desejo — pode-se de fato dizer a necessidade”, escreveu Chinua Achebe em seu ensaio” Uma Imagem da África”, “na psicologia ocidental de estabelecer a África como uma folha para a Europa, como um lugar de negações ao mesmo tempo remotas e vagamente familiares, em comparação com o qual o próprio estado de graça espiritual da Europa se manifestará”.

Tanto a escravidão quanto o colonialismo dependiam de confinar o negro, policiar seus movimentos. A primeira coisa que o colonizador fez na África do Sul e no Zimbábue e basicamente em todos os territórios colonizados, foi levar os nativos para municípios, áreas nativas, e proibi-los de se aventurar em áreas brancas, a menos que fossem trabalhadores domésticos, e mesmo assim eles devem levar um passe, da mesma forma que o escravo não poderia se aventurar para fora da plantação sem um bilhete do mestre.

Mas policiar o corpo nunca foi suficiente. A mente tinha que ser policiada, também, pois a mente pode vagar mais do que o corpo jamais pode. No processo de policiamento da mente, danos incalculáveis foram infligidos na psique do homem negro: os cientistas mostraram que traumas associados a terrores como o sofrido pelos colonizados e escravizados podem afetar até mesmo as gerações futuras que não experimentaram esses terrores em primeira mão, modificando seu comportamento na maneira como respondem ao estresse e outros estímulos. Mas o mais óbvio desses efeitos persistentes está na saúde dos negros, tornando-os mais propensos a sofrer de certas doenças em comparação com outras raças. Um estudo descobriu que os negros mais velhos nascidos durante as lutas pelos direitos civis e Jim Crow no chamado Cinturão do AVC (Alabama, Arkansas, Geórgia, Kentucky, Louisiana, Mississippi, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Tennessee) mesmo que não morem mais lá, são mais propensos a doenças mentais como demência e Alzheimer do que o resto da população.

A incapacidade das nações africanas recém-independentes de trabalhar, e o fracasso dos afro-americanos em avançar na América, é frequentemente apontada como evidência da inferioridade inata da pessoa negra, uma espécie de predisposição genética para falhar. Esta acusação muitas vezes sádica ignora o fato de que o colonialismo, como a escravidão, não simplesmente terminou com independência ou emancipação. Os africanos ainda estão lutando contra o neocolonialismo, assim como os afro-americanos estão lutando contra o racismo institucional. Na África, corporações multinacionais intervieram onde as administrações coloniais pararam.

Um bom exemplo é o Delta do Níger da Nigéria, um dos maiores pântanos do mundo, que já abrigou uma variedade de espécies animais agora destruídas principalmente por companhias petrolíferas, enquanto os nativos observam impotentes enquanto suas fontes de subsistência, pesca e agricultura, são levadas embora. Essas empresas não podem ser processadas por comunidades locais ou governos africanos; eles podem fazer ou desfazer governos; eles fomentam guerras civis e presidentes sentados. A Grã-Bretanha e a França, e outros ex-países coloniais, ainda insistem em acordos comerciais e econômicos preferenciais com suas ex-colônias — em detrimento perpétuo dessas ex-colônias.

As fronteiras nacionais artificiais que criaram as novas nações africanas foram desenhadas em 1884 em Berlim por potências europeias para que pudessem explorar esses territórios sem recorrer a conflitos entre si. O africano está preso na teia imperial da Europa assim como o afro-americano está preso no legado da escravidão.

“A função muito séria do racismo… é distração. Isso te impede de fazer seu trabalho. Isso te mantém explicando, repetidamente, sua razão de ser”, diz Toni Morrison em sua palestra de 1975 “A Humanist View”. Isso é verdade, mas o trabalho de desmantelar o legado da escravidão e do colonialismo é tão urgente hoje como sempre foi, não apenas para o benefício do homem negro, mas para o benefício do homem branco também.

A pessoa negra foi descrita como a mais perfeita do ideal americano. Suas lutas pela igualdade sempre aproximarão a América de seus princípios fundadores, de que todos os homens são criados iguais. E, claro, um dos beneficiários mais óbvios das lutas afro-americanas contra a injustiça é o africano — toda liberdade, todo benefício desfrutado por cada homem negro na América hoje é por causa dessas lutas históricas por justiça. Uma das ferramentas mais potentes para combater a discriminação histórica — e digo isso porque sou escritor — é a literatura e as artes em geral. Eles trabalham na mente de uma forma que outras ferramentas de descolonização não podem. Os efeitos da literatura são profundos e sutis e podem mudar a mente não apenas do homem negro, mas também do leitor branco, criando empatia, fazendo com que o opressor fique na pele dos oprimidos, refutando sistematicamente, de forma imaginativa e criativa, afirmações centenanas sobre a superioridade inata de uma “raça” sobre outra.

Toda boa literatura, acredito, é um ato de resistência. Resistir ao status quo, resistir ao mau gosto, resistir ao mal, até que no final o leitor é atingido por uma epifania, como Saul na estrada para Damasco. Enquanto a mídia e os filmes diariamente tentam nos vender o sonho americano de opulência e possibilidades ilimitadas, o escritor desafia essa narrativa brilhante ao mostrar a feia barriga da sociedade americana — das histórias de Bowery de Stephen Crane às aventuras viris de Hemingway às ferrovias subterrâneas de Colson Whitehead, a literatura nos desafia a sair de nossas bolhas e ver que o mundo não precisa necessariamente ser do jeito que nos foi contado. Pode ser refeito.

Uma das literaturas mais emocionantes que desmontam mentiras e voltam ao poder é o afrofuturismo. Emocionante porque, como o nome indica, fez do futuro seu alvo. Ele busca colocar, ou recue, a presença negra na modernidade.

Em seu ensaio, “Stanger in the Village”, James Baldwin afirma que uma das intenções do racismo é manter a pessoa negra fora da modernidade, para provar a ele que ele ou ela não pertence à história da Invenção e da Europa de invenção e arte e cultura e ciência. Em seu livro A Parábola do Semeador, Octavia Butler, uma das vozes fundadoras do afrofuturismo, elabora através de sua protagonista, Lauren Oya Olamina, a crença de que o destino da humanidade é viajar além da Terra e viver em outros planetas, entre as estrelas, por assim dizer, forçando a humanidade à sua idade adulta.

O afrofuturismo é a reivindicação do negro para este futuro intergaláctico, ao lado de outras raças da humanidade. Não apenas para sobreviver à brutal história do colonialismo e da escravidão, e à atual opressão sistêmica, mas para prosperar além dela e fazer um lar nas estrelas.

Isso pode soar como uma visão escapista, mas se for, então é simbólico da própria necessidade de fuga vivida diariamente pelo homem negro.

Eu me tornei um residente americano em 2007 – me pareceu que não era melhor um momento para uma pessoa negra se mudar para a América. Eu vi a ascensão de Obama de um senador júnior para a presidência, e eu disse a mim mesmo, só na América isso pode acontecer, o próprio epítome do sonho americano. Termos como o pós-racialismo foram lançados por jornalistas e comentaristas políticos.

Mas então quase imediatamente a reação começou. Lembro-me da “cúpula da cerveja” na Casa Branca em julho de 2009. Obama usou a palavra “estúpido” para se referir à prisão de um policial branco de um homem negro tentando invadir sua própria casa porque ele havia perdido suas chaves — seria de supor que algumas perguntas simples do policial para confirmar a alegação do homem negro de que esta era realmente sua casa teria resolvido a situação. Especialmente porque, como se viu, este não era um homem negro comum — era Henry Louis Gates Jr., o proeminente professor de Harvard e intelectual público. Obama teve que não apenas retirar publicamente suas palavras, mas também convidar o policial e o Dr. Gates para a Casa Branca ostensivamente para intermediar a paz — mas, na realidade, para apaziguar os brancos sobre chamar um policial branco de estúpido. Era teatro, o homem negro uppity sendo colocado em seu lugar. O status quo estava se reafirmando. Eu soube então que minha lua-de-mel americana tinha acabado.

A 'Cúpula da Cerveja': O professor da Universidade de Harvard Henry Louis Gates, o sargento james Crowley da polícia de Cambridge e o presidente Barack Obama no Rose Garden na Casa Branca, Washington, D.C., 30 de julho de 2009

A ‘Cúpula da Cerveja’: O professor da Universidade de Harvard Henry Louis Gates, o sargento james Crowley da polícia de Cambridge e o presidente Barack Obama no Rose Garden na Casa Branca, Washington, D.C., 30 de julho de 2009PETE SOUZA/CASA BRANCA VIA GETTY IMAGES

A ascensão de Donald Trump ao poder através de desafiar e minar a própria legitimidade do direito de Obama de ser presidente decorre do remorso deste comprador. A ascensão de Trump é um chamado à ação para a maioria das pessoas sentadas na cerca: a percepção de que se queremos a América dos nossos sonhos, temos que nos tornar parte da conversa. Talvez seja por isso que decidi me tornar cidadão este ano, mesmo tendo sido elegível desde 2015 e nunca tinha me incomodado em me candidatar.

É aqui que eu moro. Não posso escapar da busca da alma que a maioria dos pais negros passam todos os dias: Como mantenho meus filhos seguros e também confiantes ao mesmo tempo? Eu tenho um filho jovem e logo, como a maioria dos pais negros, eu tenho que ter “a conversa” com ele. Como faço ele entender isso porque é mais provável que ele seja alvo da polícia do que seus amigos brancos, isso não o torna inferior de forma alguma? Como posso mostrar a ele que ele pode ser sem desculpas negro em um mundo que é branco?

Os atuais protestos do movimento Black Lives Matter fornecem algumas respostas para essas perguntas. Reconhece as imperfeições da América, mas também mostra os pontos fortes da América. Mostra que monumentos erguidos à intolerância e à injustiça podem ser derrubados, que a história pode ser reescrita, que porque você tem poder não significa que você está certo.

Uma democracia sempre será um trabalho em progresso. O trabalho de alcançar a justiça e a igualdade estará sempre em curso. Justiça e igualdade nunca são dadas, eles têm que ser combatidos, especialmente se você é negro.

Fico feliz que meus filhos possam ver que não são apenas os negros que marcham pela igualdade racial, mas também os brancos, não apenas os americanos, mas europeus, asiáticos e africanos. Em última análise, a luta pela igualdade não é sobre Preto contra Branco. Trata-se de certo versus errado.

Helon Habila é o autor, mais recentemente, do romance Travelers. Ele também é professor de escrita criativa na Universidade George Mason, na Virgínia.

An African in America – Tablet Magazine

Appendix: Interview with Paulin J. Hountondji | SpringerLink
Paulin J. Hountondji

Profundamente envolvida no debate sobre a interpretação das realidades sociais e culturais da África desde meados da década de 1970, a obra do filósofo beninense Paulin J. Hountondji produziu significativo aporte teórico e metodológico sobretudo naquilo que concerne aos conceitos axiais de extroversão e endogenia vinculados ao pensamento africano contemporâneo.

Fonte: https://proceedings.science/copene-sul/trabalhos/extroversao-autonomia-intelectual-e-pensamento-endogeno-na-obra-de-paulin-hountondji

O Antigo e o Moderno: A Produção do Saber na África Contemporânea

“O Antigo e o Moderno: A Produção do Saber na África Contemporânea” coloca os leitores diante aquelas que são hoje as questões centrais ligadas à produção do conhecimento em África: Como é que se articulam, em África, no domínio do saber e do saber-fazer, e tendo como referência as normas que presidem à ação, o antigo e o moderno? O que é que sabíamos ontem e como é que o sabíamos? O que é que sabíamos fazer? Que sabemos hoje e como o sabemos fazer? Que relação existe entre estes saberes e saberes-fazer de hoje e os de outrora? Qual era ontem e qual é hoje a parte de mito que existe naquilo que julgamos saber? E como é que vamos definir, em cada caso, o núcleo duro de conhecimentos sólidos e universalmente válidos?

Paulin Hountondji é um filósofo, político e acadêmico beninense. Desde os anos 1970, leciona na Université Nationale du Bénin, em Cotonou, onde é professor de filosofia. No início dos anos 90, ele atuou brevemente como Ministro da Educação e Ministro da Cultura e Comunicações no governo do Benin. 

O materialismo histórico, na época de Marx e Engels, não combatia apenas o idealismo e outras formas filosóficas burguesas. Batia de frente com as teorias racialistas. O marxismo, antes de qualquer “adaptação nacional” nos países dependentes, coloniais e semicoloniais da África, Ásia ou América Latina e Caribe, já estava inclinado a transformar-se numa indispensável arma na luta antirracista e anticolonial.

Por Jones Manoel

Introdução: o chamado à historicidade

O anacronismo é um dos perigos que espreitam a pesquisa histórica. Um dos principais problemas do debate se Marx e Engels seriam racistas ou eurocêntricos é justamente o anacronismo. Na imensa maioria dos casos, parte-se do debate atual sobre o que é o racismo. Sim, pelos critérios atuais, não tenho dúvidas de que Marx e Engels poderiam ser considerados racistas em certas dimensões. Porém, o conceito de raça, o processo de racialização e o sentido do que é ser racista muda historicamente, tem portanto historicidade. Há, aliás, essa historicidade se dá em dois sentidos interligados: da coisa em si, isto é, da realidade a ser analisada, e das categorias que buscam captar na teoria a coisa em si. Uma história do objeto de análise e das teorias de análise do objeto.

O argumento que venho defendendo faz tempo, seja em curso online (como o meu sobre o marxismo anticolonial), livro, artigo, entrevista, podcast, conferência e afins é que, na cultura brasileira, não compreendemos na qualidade necessária o processo de racialização da modernidade e a dimensão colonial inscrita em toda história dos últimos séculos – tal como as mutações nas formas de negação do Outro e desumanização a partir da raça e dos padrões de dominação colonial e neocolonial. A partir desse argumento (demonstrado em várias oportunidades), afirmo que chamar Marx e Engels de eurocêntricos e racistas é prova de desconhecimento histórico da modernidade e, ironicamente, de como o marxismo foi fundamental no recuo das barreiras coloniais e raciais.

Em suma, se hoje não há de forma generalizada escravidão, regimes de segregação racial, colonialismo no estilo clássico, se hoje a eugenia não goza de prestígio científico, isso se deve também ao marxismo que, a partir dos seus fundadores, combateram os padrões de racismo e eurocentrismo de sua época, permitindo avanços que, em nosso tempo histórico, cria quadros de referência que permitem olhar para os fundadores do materialismo histórico e apontar falas hodiernamente consideradas racistas.

Esse ponto é importante, pois, pelos critérios atuais, fervorosos abolicionistas e lutadores e lutadoras antirracistas do século XIX poderiam ser acusados de racismo. Um exemplo básico do problema do anacronismo: a direita atual ainda não descobriu o flerte da Frente Negra Brasileira com o integralismo no começo do século passado. No dia que descobrir, vai começar a apontar que o movimento negro brasileiro é ou tem potencial fascista. A direita estará certa? Não, e só é possível apontar razão nesse discurso se, ao invés de uma análise histórico-concreta dos sentidos e papel do integralismo na luta política e suas formas de apropriação pela Frente Negra no período, fizermos tão somente uma “análise” tomando os termos e sentidos estritamente atuais do debate.

O mesmo serve para mitos como “Zumbi tinha escravos”, ou outro, muito bem aceito por certa esquerda, de que as organizações de luta armada contra a ditadura empresarial-militar não defendiam democracia e queriam apenas colocar “sua própria ditadura no lugar”. Como se pode ver por esses três exemplos, a defesa integral de uma historicidade crítica (da coisa em si e das teorias que se propõem ser a representação ideal de um movimento real) é uma arma fundamental na luta política.

O objetivo deste escrito não é fazer um balanço completo do tema com foco no debate sobre raça, colonialismo e eurocentrismo na obra de Marx e Engels. Isso já foi feito por nós (junto com Gabriel Landi) no livro Revolução africana: uma antologia do pensamento marxista (Autonomia Literária, 2019), no livro de Domenico Losurdo A luta de classes: uma história política e filosófica (Boitempo, 2015) e no livro de Kevin B. Anderson Marx nas margens: nacionalismo, etnia e sociedades não ocidentais (Boitempo, 2019). Meu objetivo nesta coluna é apresentar o problema e os argumentos de forma mais sintética visando sua utilidade no debate teórico sobre a criação de uma cultura política antirracista revolucionária com os pés radicalmente presos na história.

Modernidade, colonialismo e racismo

A partir do final dos anos 1970 do século passado, virou moda o debate sobre modernidade e pós-modernidade. Esse debate, difundido a partir do mundo acadêmico europeu e estadunidense, reproduz uma tendência de longa duração histórica na formulação teórica do pensamento ocidental dominante: considerar o nascimento da modernidade como um processo idílico de vitória da razão, autonomia do indivíduo, livre mercado, democracia e surgimento do sujeito. A história da modernidade é contada como um acontecimento essencialmente intraeuropeu, um capítulo que começa com o Renascimento (ou com a Antiguidade Clássica greco-romana), passa pela Reforma Protestante, percorrendo o Iluminismo, o surgimento do liberalismo, e as Revoluções Inglesa e Francesa, o desenvolvimento do parlamentarismo e assim por diante.

Dentro dessa abordagem, elementos incômodos, como a escravidão, são tratados quase que como uma reminiscência de um tempo passado que sobreviveu paralelamente e fora do reino da modernidade e da razão até que um dia, finalmente, a História se adaptou à Ideia e a escravidão foi superada. É a partir de visões como essa que, contrafactualmente, se considera que o liberalismo é antagônico à escravidão e defensor por essência dos direitos individuais1. A comédia de erros chega a tal ponto que intelectuais “críticos”, com intenção de combater ou melhorar o liberalismo, falam que no Brasil o liberalismo seria incompleto e contraditório, dada a sua compatibilidade com a escravidão e, posteriormente, com a dominação oligárquica das primeiras décadas da república brasileira2.

Se o liberalismo é tratado como um mito, configurando uma verdadeira hagiografia, outros aspectos fundamentais da modernidade, como o vínculo indissociável entre modernidade burguesa, capitalismo, formas de trabalho não livres (no sentido burguês) e a questão colonial, são apagadas. Aqui, mais uma vez, o processo de ocultamento acontece em vários quadrantes: na esquerda e na direita. Um exemplo bastante ilustrativo é o debate entre Norberto Bobbio e Palmiro Togliatti.

Bobbio, em 1954, afirmava que os “Estados socialistas” tinham realizado uma nova fase de “progresso civil em países politicamente atrasados, introduzindo institutos tradicionalmente democráticos […] e a coletivização dos instrumentos de produção”, mas que faltava a esses Estados, “uma gota de óleo liberal nas máquinas da revolução já realizadas”. O raciocínio de Bobbio é nítido: liberalismo significa por essência limitação do poder central, Estado de Direito e direitos individuais. Togliatti, o grande dirigente do Partido Comunista Italiano, responde assim à crítica de Bobbio:

“Mas quando, e em que medida, foram aplicadas aos povos coloniais os princípios liberais nos quais se disse fundado o Estado inglês do século XIX, modelo, creio, de regime liberal perfeito para aqueles que pensam como Bobbio? A verdade é que a doutrina liberal […] fundamenta-se numa bárbara discriminação entre as criaturas humanas. Além das colônias, tal discriminação se alastra também na própria metrópole capitalista, como demonstra o caso dos negros estadunidenses, em grande parte desprovidos de direitos elementares, discriminados e perseguidos.”

Citado em Domenico Losurdo, 2008, p. 72.

Aliados a isso, os questionamentos prático-políticos dessa visão idealizada do surgimento da modernidade são combatidos ou relegados ao esquecimento. Domenico Losurdo mostra como a Revolução Francesa foi banida do panteão das glórias liberais-modernas a partir de um revisionismo histórico que exalta a Revolução Inglesa e Americana e repudia os ventos da “Marselhesa”3. Um exemplo característico desse revisionismo histórico é o livro Sobre a revolução, da filósofa Hannah Arendt, que considera que a Revolução Americana, ao contrário da Francesa, garantiu a liberdade e a libertação e foi um processo político essencialmente pacífico, uma vez que não trazia a questão social no centro de sua agenda revolucionária – caminho irremediável ao terror e o fracasso, segundo a filosofa. O caráter plebeu da Revolução Francesa e o conteúdo igualitário, assim como a apropriação feita do jacobinismo pelo movimento operário socialista, não explicam por si só o expurgo da Revolução Francesa. Existe outra razão, talvez até mais forte que as anteriores.

A Revolução Francesa foi a única revolução burguesa que pôs em questão a escravidão4. A libertação nacional das Províncias Unidas (Holanda), a Revolução Inglesa e a Revolução Americana deram um impulso gigantesco à escravidão, ao extermínio dos povos originários (chamados genericamente de “índios”) e ao colonialismo. Já os jacobinos ousaram estender os direitos naturais do homem e do cidadão para além do pequeno ciclo de homens, proprietários, brancos e europeus.

Esse, contudo, não foi o único pecado de Robespierre e seu grupo. Eles influenciaram os negros e negras do outro lado do Atlântico a achar que podiam ser incluídos nos direitos universais do homem – e os jacobinos negros, evidentemente, foram bem mais longe na crítica prática à escravidão que os jacobinos brancos. Numa das colônias francesas mais lucrativas do mundo, São Domingos, os ex-escravos se rebelaram, combateram a metrópole e a elite nativa, tomaram o poder, aboliram a escravidão e ousaram ser donos do seu destino

“Mas, enquanto isso, e os escravos? Eles ouviram falar da Revolução [Francesa]e conceberam-na à sua própria imagem: os escravos brancos da França se levantaram e mataram os seus senhores e, assim, passaram a gozar os frutos da terra. Isso era grosseiramente impreciso, de fato, mas eles haviam apanhado o espírito da coisa. Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Antes do final do ano de 1789, houve levantes em Guadalupe e na Martinica. Já em outubro, em Forte Dauphin, um dos futuros centros da insurreição de São Domingos, os escravos estavam se agitando e realizando reuniões de massas nas florestas durante a noite. Na Província do Sul, observando a luta entre os seus senhores a favor e contra a Revolução, eles mostraram sinais de inquietação […] Nenhum dos homens que deveriam liderar seus irmãos para a liberdade estava em atividade nesse momento, até onde sabemos. Dessalines, já com quarenta anos, servia como escravo para seu senhor negro. Christophe ouvia as conversas no hotel onde trabalhava mas não tinha ideias construtivas. Toussaint lia sozinho seu Raynal: “Um chefe corajoso é tudo o que é preciso”. Ele diria mais tarde que, desde a época em que os problemas surgiram, sentia-se destinado às grandes coisas.”

C. L. R. James, Os jacobinos negros (Boitempo, 2016, p. 87-8)

Naturalmente, os jacobinos negros, Toussaint L’Ouverture e Jacques Dessaline têm que ser excluídos da história e, como derrotados, banidos para sempre da memória. A partir desse processo de exclusão dos aspectos incômodos da modernidade burguesa, fica difícil lembrar que raça e hierarquização dos povos (bárbaros versus civilizados) não é uma criação eterna, imutável, mas nasce justamente quando surge pela primeira vez uma história universal, o sistema-mundo. Pois é, até o século XVI, não era possível falar de uma história do mundo. Com a estabelecimento do comércio tricontinental centrado na Europa, possibilitado pela invasão colonial na região posteriormente conhecida como América, um dos maiores genocídios de todos os tempos, surge uma nova construção social, histórica e ideológica que fundamenta o sistema de exploração colonial e o tráfico de seres humanos escravizados: a raça5.

Antes do início da modernidade, ao contrário do pensamento de teóricos identitaristas e naturalistas do movimento negro, a raça tal como conhecemos hoje não existia. As diferenças de cor de pele e traços fenotípicos não conformaram um sistema de significados sociais com derivações práticas estruturantes nas formas de sociabilidade. Se é possível achar, desde o começo da história humana, comentários referentes a um processo de estranhamento do Outro a partir de traços fenotípicos diferenciados, só com a modernidade esses traços ganham contornos estruturais de marcadores sociais.

Se durante muito tempo esse idealismo da raça teve uma forma de explicação teológica, com a laicização do pensamento ocidental, no bojo do Iluminismo e da Revolução Burguesa, a ciência entrou em cena para legitimar a metafísica racial a partir de disciplinas como a biologia, a antropologia criminal e a sociologia. É curioso como há um sistemático ocultamento da racialização na produção teórica burguesa moderna. O livro didático que trabalho em sala de aula é um bom exemplo disso: ao apresentar o Liberalismo e o Iluminismo, buscando sumarizar as principais ideias de alguns dos pensadores mais destacados desses movimentos, como John Locke, Adam Smith, Barão de Montesquieu, Alexis de Tocqueville, John Stuart Mill e outros, nenhuma palavra é dita sobre o apoio desses homens à escravidão e/ou ao colonialismo a partir de noções naturalistas de raça6.

A raça enquanto chave de estruturas sociais e significante simbólico é um componente central em todas as correntes teórico-filosóficas e em quase todos os autores do pensamento ocidental na modernidade burguesa. Porém, existe uma tradição teórica e política que tenta escapar a essa tendência histórica de longa duração: o marxismo.

O lugar de Marx e Engels na modernidade burguesa

Domenico Losurdo afirma, corretamente, que existe na modernidade burguesa uma filosofia da história constituída por um universalismo agressivo e colonizante que tende a ver o Ocidente como o máximo da civilização em uma missão eterna e inescapável de extirpação da barbárie e do atraso nos quatro cantos do mundo. O “fardo civilizatório” do homem branco é apenas um dos episódios mais caricatos dessa história, mas de forma alguma o único (Contra-história do liberalismo, p. 6-65). Nos dias atuais, essa filosofia da história se expressa nas diversas formas de agressão que os Estados Unidos e sua máquina de guerra (seguidos de perto pelos seus sócios menores como a União Europeia) impõem à Venezuela, Cuba, Coreia Popular, Irã, China, Vietnã e outros países “incivilizados”.

Em um balanço crítico da obra de Marx e Engels, Losurdo mostra como os dois fundadores do materialismo-histórico em alguns momentos acabaram deslizando nessa ideologia burguesa. É conhecida, por exemplo, a exaltação chauvinista do roubo da Califórnia dos mexicanos feita por Engels; ou algumas análises de Marx sobre os Estados Unidos que pareciam desconsiderar a escravidão e a sorte dos povos originários (“peles vermelhas”) ao afirmar que no país a “emancipação política já foi realizada”7. Uma análise sistemática e da totalidade do pensamento de Marx e Engels, porém, mostrará que no decorrer da sua evolução esses dois pensadores conseguiram recusar completamente, considerando seu lugar histórico, essa filosofia da história burguesa8.

Demostremos isso a partir de quatro questões. Primeiro, Marx e Engels, ao contrário de toda tradição dominante de sua época, negaram qualquer paradigma naturalista e racialista na construção de sua crítica da economia política e teoria social centrada no conflito de classes. A análise marxiana é radicalmente histórica. Quando Marx diz em “Trabalho assalariado e capital”, por exemplo, que um negro é apenas um negro e que ele só se torna escravo em condições históricas determinadas, a afirmação é não uma coisificação do negro, mas uma negação radical de qualquer idealismo da raça (ou naturalização racialista da escravidão), chamando atenção para as condições histórico-concretas do desenvolvimento do tráfico de seres humanos escravizados na lógica mercantil9 – Marx e Engels também combateram as explicações psicopatológicas dos processos sociais, tendência em voga nos pensadores do século XIX para “explicar” os processos revolucionários10.

Hoje foi quase banido da história um dado básico da cultura ocidental hegemônica até a primeira metade do século XX. Qual dado? A leitura racial da sociedade não era privilégio da Alemanha Nazista (nunca é demais lembrar que o regime de segregação racial nos Estados Unidos durou, oficialmente, até 1965), era um consenso dominante no Ocidente, tendo inclusive servido de espelho para as classes dominantes locais de toda periferia, a ponto de existirem, nos quatro cantos do mundo, regimes de supremacia racial ou Estados com políticas eugenistas. A própria palavra “racismo” não tinha uma conotação negativa: significava a justa e necessária separação entre as raças para evitar a degradação da “raça branca”, “ariana” ou “nórdico-germânica”. Quando em 1936 a União Soviética criminalizou o racismo e reforçou ainda mais a política cultural, educacional e científica de igualdade racial, ela estava isolada11. Nadava contra a corrente.

O termo “racismo” só passou a ter uma conotação universalmente negativa ao final da Segunda Guerra Mundial, depois da vitória da União Soviética sobre o nazismo e o início da revolução anticolonial no mundo – acontecimento que também marcou o abandono das teorias socais de chave explicitamente racialista. O materialismo histórico, na época de Marx e Engels, não combatia apenas o idealismo e outras formas filosóficas burguesas. Batia de frente com as teorias racialistas. Este trecho clássico de Marx, se bem lido no seu contexto histórico, revela uma revolução teórico-política:

“O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me de guia para meus estudos pode ser formulado, resumidamente, assim: na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência.”

Karl Marx, Contribuição à critica da economia política (Expressão Popular, 2008)/Emir Sader e Ivana Jinkings (orgs.) As armas da crítica: antologia do pensamento de esquerda.

Note a ausência de qualquer paradigma de determinismo racial, climático ou psicopatologizante. O que hoje é normal e trivial – isto é, explicar as relações sociais a partir do estudo de relações sociais construídas historicamente –, não era no período de Marx e Engels. O materialismo expresso no trecho acima não é apenas o sintoma de uma luta contra o idealismo, mas também contra paradigmas racializantes, como o de um dos pensadores mais prestigiados da Europa no século XIX, o liberal Herbert Spencer (contemporâneo de Marx e Engels e famoso pelo chamado “darwinismo social”).

O segundo aspecto é que Marx e Engels são críticos do colonialismo. Essa crítica ao colonialismo opera em duas dimensões. Os dois pensadores foram ardentes defensores da emancipação nacional da Irlanda e Polônia, os dois principais símbolos europeus da política colonial (importante destacar que mesmo “brancos”, numa perspectiva biológica, esses povos eram racializados e tratados como não-brancos pelo colonialismo do período). Essa defesa da Polônia e da Irlanda, inclusive, é feita contra membros da Internacional dos Trabalhadores que consideravam, assim como alguns “marxistas” posteriores, que essas lutas nacionais eram desvios da luta de classes.

Marx e Engels mostraram com precisão que, nesses países, a questão social assume uma dimensão nacional e, em vários momentos de suas obras e atuação política, instigavam o proletariado inglês a combater o colonialismo de “sua” burguesia12.

Marx e Engels foram ainda mais fundo. Adiantando a indispensável formulação de Lênin sobre a aristocracia operária e a questão colonial, os autores do Manifesto Comunista perceberam a dialética entre questão colonial e amoldamento à ordem do proletariado inglês, mostrando que os superlucros da burguesia inglesa auferidos com a colonização da Irlanda serviam como contraponto às vitórias da economia política do trabalho sobre o capital. Não poucas vezes, os dois revolucionários ligaram diretamente o persistente reformismo dos trabalhadores ingleses ao martírio dos irlandeses, constatando que a revolução socialista na Inglaterra e a libertação nacional irlandesa eram duas faces da mesma moeda – ainda é útil pontuar que análise parecida foi desenvolvida em relação ao Sul escravagista dos Estados Unidos e o movimento operário do Norte, onde o trabalhador de pele clara se comportava como um “senhor” frente ao trabalhador de pele negra.

“O trabalhador inglês comum odeia o trabalhador irlandês como um concorrente que rebaixa seu salário e seu padrão de vida; também alimenta contra ele antipatias nacionais e religiosas. É exatamente o mesmo modo como os brancos pobres dos estados sulistas da América do Norte se comportavam em relação aos escravos negros. Esse antagonismo entre os dois grupos de proletários no interior da própria Inglaterra é artificialmente mantido e alimentado pela burguesia, que sabe muito bem que essa cisão é o verdadeiro segredo da preservação de seu próprio poder.”

Algumas linhas depois, Marx conclui:

“Finalmente, o que a Roma Antiga demonstrou numa escala gigantesca pode ser observado na Inglaterra de hoje. Um povo que subjuga outro povo forja suas próprias cadeias.”

Karl Marx, “A Irlanda e a classe trabalhadora inglesa 1864”, em Marcelo Musto (org.) Trabalhadores uni-vos: antologia política da I Internacional (Boitempo, 2014, p. 276)13

Fora da Europa, a crítica ao colonialismo também foi mordaz. Se, no Manifesto Comunista e na Miséria da filosofia, o colonialismo não aparece às vezes com ares de condenação explícita e, em alguns trechos, Marx e Engels tratam do tema com certo lirismo, na evolução posterior dos dois pensadores, especialmente a partir da década de 1860, a crítica ao colonialismo é devastadora. É bastante conhecido o capítulo do Livro I d’O capital sobre “a assim chamada acumulação primitiva”, no qual Marx refuta o mito liberal do surgimento do capitalismo a partir de um processo idílico e pacífico de uma “elite” laboriosa e disciplinada que soube poupar e acumular riquezas. Marx liga de maneira indissociável, a partir de um genial mapeamento histórico, o surgimento do modo de produção capitalista às barbáries do colonialismo. Diz Marx:

“A descoberta das terras auríferas e argentíferas na América, o extermínio, a escravização e o soterramento da população nativa nas minas, o começo da conquista e saqueio das Índias Orientais, a transformação da África numa reserva para a caça comercial de peles-negras que caracterizam a aurora da era da produção capitalista. Esses processos idílicos constituem momentos fundamentais da acumulação primitiva.  na Inglaterra, no fim do século XVII, esses momentos foram combinados de modo sistêmico, dando origem ao sistema colonial, ao sistema da dívida pública, ao moderno sistema tributário e ao sistema protecionista. Tais métodos, como por exemplo, o sistema colonial, baseiam-se, em parte, na violência mais brutal.”

“[…] Com o desenvolvimento da produção capitalista durante o período manufatureiro, a opinião pública europeia perdeu o que ainda lhe restava de pudor e consciência. As nações se jactavam cinicamente de toda a infâmia que constituísse um meio para a acumulação de capital.”

“[…] Enquanto introduzia a escravidão infantil na Inglaterra, a indústria do algodão dava, ao mesmo tempo, o impulso para a transformação da economia escravista dos Estados Unidos, antes mais ou menos patriarcal, num sistema comercial de exploração. Em geral, a escravidão disfarçada dos assalariados na Europa necessitava, como pedestal, da escravidão sans phrase do Novo Mundo.”

Karl Marx, O capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital (Boitempo, 2013, p. 820, p. 824, p. 829)

Outro aspecto da crítica marxiana que, por muito tempo, passou despercebida por alguns marxistas é que Marx desenvolve uma reflexão (nunca aprofundada devidamente, é verdade) na qual afirma que as formas de dominação burguesas apresentam sutilezas na metrópole, mas desfilam nuas com toda sua crueldade nas colônias.14 Ou seja, Marx discorre sobre como a realidade colonial é o capitalismo em seu estado de máxima barbárie, uma espécie de verdade do capital; essa reflexão, posteriormente, também foi desenvolvida e aprofundada por Lênin:

“A profunda hipocrisia, a intrínseca barbárie da civilização burguesa se apresentam diante de nós sem disfarces, assim que das grandes metrópoles, onde elas assume formas respeitáveis, voltamos os olhos para as colônias, onde passeiam desnudas”.
Karl Marx, “Os resultados eventuais da dominação britânica na Índia” [1853].

E, por último, ao analisar a comuna rural russa (mir), Marx e Engels, ainda que por caminhos um pouco diferentes, consideraram que ela poderia ser a base da construção do socialismo russo, negando uma universalidade agressiva e colonizante a partir das formas sociais europeias. Ao fazê-lo, os fundadores do materialismo histórico colocam uma questão central para os movimentos revolucionários da periferia do capitalismo: mesmo com toda destruição causada pelo colonialismo imperialista, sobrevivem formas sociais e práticas culturais pré-colonização que carregam tradições comunitárias e igualitárias que podem ser a base da construção do socialismo com características nacionais e próprias de cada povo15.

Anos depois, José Carlos Mariátegui e Amílcar Cabral, por exemplo, adensaram essa reflexão a partir de sua realidade nacional. Todavia, cabe ainda destacar que tanto Marx e Engels, como Mariátegui, Cabral, Che Guevara e tantos outros, mesmo reconhecendo e defendendo um caminho múltiplo de desenvolvimento socioeconômico para o socialismo, apropriando e valorizando as históricas tradições nacional-populares dos explorados, não negaram a necessidade de desenvolver as forças produtivas na construção da sociedade pós-capitalista. Relações sociais igualitárias, na miséria, não formam o socialismo: apenas caricaturas e rudimentos dele.

Por estes quatro aspectos, afirmamos que o marxismo, antes de qualquer “adaptação nacional” nos países dependentes, coloniais e semicoloniais da África, Ásia ou América Latina e Caribe, já estava inclinado para transformar-se numa indispensável arma na luta antirracista e anticolonial. Considerar o marxismo como essencialmente eurocêntrico é um erro que percorre dois caminhos. Primeiro, apegar-se a algum trecho ou texto de Marx e Engels – e como falamos acima, alguns deles, realmente, são terríveis, como os comentários de Engels sobre o México ou o pequeno panfleto de Marx sobre Simon Bolívar –, ignorando o conjunto de sua obra e deixando de fazer uma análise da globalidade de sua produção teórica. Segundo, tomar como premissa da crítica uma análise idealizada das formas sociais pré-colonização numa tentativa infantilizada de retornos a sociedades já destruídas (como o misticismo em torno de uma África pré-colonização, algo de muito sucesso no movimento negro brasileiro).

A partir dessa perspectiva de retorno idealizado, caricata o suficiente ao ponto de idolatrar monarquias de bases socioeconômicas feudais, Marx e Engels seriam por essência eurocêntricos, já que partem da realidade europeia, seu objeto de análise, dado ser nesse continente o centro dinâmico do capitalismo mundial. Ora, é evidente que Marx e Engels são europeus e, mesmo produzindo a contrapelo das tendências ideológicas dominantes de sua época, não escapam totalmente às determinações histórico-culturais e subjetivas de seu tempo.

A grande questão, porém, é que a obra marxiana-engelsiana é, acima de tudo, uma crítica da economia política, uma análise do modo de produção capitalista em suas formas mais elementares com vistas à superação revolucionária dessa sociedade. Nesse sentido, usando uma linguagem hegeliana, podemos dizer que o capitalismo é um universal que se realiza na particularidade de cada país/região. Ou seja, enquanto existir capitalismo, a crítica da economia política de Marx e Engels e, portanto, o materialismo histórico serão a filosofia insuperável do nosso tempo. Isso, contudo, não significa que essa crítica seja um universal-abstrato coagulado de determinações mais concretas. O universal se realiza no particular. A grande tarefa do marxista na periferia do capitalismo é analisar essa totalidade desde o ponto de vista da sua realidade nacional.

Nada disso significa, contudo, que não tenha existido e que não existam até hoje marxistas eurocêntricos. Eles existem. Assim como existem marxistas estruturalistas, analíticos, pós-modernos, neopositivistas, existencialistas e assim por diante. Nenhuma dessas leituras são derivados necessários da obra marxiana-engelesiana, mas apropriações parciais de aspectos tópicos do materialismo histórico. Nesse sentido, o fato de haver marxistas eurocêntricos e uma larga tradição de eurocentrismo no marxismo (assim como uma tradição anticolonial e antirracista, por nós trabalhada em nosso curso online) não autoriza ninguém com dois dedos de honestidade intelectual a descartar o marxismo como algo que só teria validade para Europa.

NOTAS

1 “A escravidão não é algo que permaneça não obstante o sucesso das três revoluções liberais; ao contrário, ela conhece o seu máximo desenvolvimento em virtude desde sucesso: “o total da população escrava nas Américas somava aproximadamente 330.000 no ano de 1700, chegou a quase três milhões no ano de 1800, até alcançar o pico de mais de 6 milhões nos anos 50 do séc. XIX”. O que contribui de forma decisiva para o crescimento desse instituto sinônimo do poder absoluto do homem sobre o homem é o mundo liberal. Na metade do séc. XVIII a Grã Bretanha é a que possui o maior número de escravos (878.000)”. Domenico Losurdo, Contra-história do liberalismo (Ideias & Letras, São Paulo: 2006), p. 47.
2 Será que o liberalismo também seria uma “ideia fora do lugar” nos Estados Unidos, a primeira república liberal das Américas? “Em trinta e dois anos dos primeiros trinta e seis de vida dos Estados Unidos, quem ocupa o cargo de Presidente são os proprietários de escravos provenientes da Virgínia. É essa colônia ou esse Estado, fundado sobre a escravidão, que fornece ao país os seus estadistas mais ilustres; só para lembrar: George Washington (grande protagonista militar e político da revolta anti-inglês), James Madison e Thomas Jefferson (autores respectivamente da Declaração de independência e da Constituição Federal de 1787), os três proprietários de escravos. Domenico Losurdo, Contra-história do liberalismo (Ideias & Letras, São Paulo: 2006), p. 24.
3 “E, no entanto, foi esse tipo de estudo comparativo que triunfou hoje e permitiu à crônica política revisionista ou neoliberal contrapor a Revolução Francesa às demais, desacreditando-a como abstrata e produtora do Terror e do ‘genocídio’ na Vendeia”. Guerra e revolução: o mundo um século após Outubro de 1917 (São Paulo, Boitempo, 2017), p. 51.
4 “A insistência dos críticos liberais da Revolução Francesa em atribuir à ‘revolução americana’ a iniciativa histórica da Declaração dos Direitos do Homem confirma a que ponto o liberalismo de hoje rebaixou-se a uma vulgar apologia do Império estadunidense. Afetam esquecer uma não pequena diferença entre a concepção de direitos humanos dos chamados “Pais Fundadores” dos Estados Unidos e a dos revolucionários jacobinos: aqueles mantiveram os negros na escravidão; estes aboliram-na imediatamente. Ela foi, entretanto, restabelecida nas colônias francesas após a queda de Robespierre…” (MORAES, 2001, p. 13).
5 “A posterior constituição da Europa como uma nova identidade depois da América e expansão do colonialismo europeu sobre o resto do mundo levou à elaboração da perspectiva eurocêntrica de conhecimento e com ela à elaboração teórica da ideia de raça como naturalização dessas relações coloniais de dominação entre europeus e não-europeus. Historicamente, isso significou uma nova maneira de legitimar as já antigas ideias e práticas de relações de superioridade/inferioridade entre dominados e dominantes […] Desse modo, raça se converteu no primeiro critério fundamental para distribuição da população mundial nas classes, lugares e papeis na estrutura de poder da nova sociedade. Em outros termos, no modo básico de classificação social universal da população mundial” (QUIJANO apud LANDER, 2006, p. 207).
6 Para um pequeno exemplo do “lado escondido” desses grandes nomes do pensamento burguês: “além de acionista da Royal African Company, a sociedade que gerenciava o tráfico de escravos negros, como observou um ilustre historiador da instituição da escravidão (D. B. Davis), Locke foi “o último grande filósofo que tentou justificar a escravidão absoluta e perpétua”. No que se refere a Montesquieu, ele convidou a reconhecer a “inutilidade da escravidão entre nós”, “nos nossos climas” e, portanto, a pensar em limitar a escravidão natural (servitude naturelle) a certos países em particular” (LOSURDO, 2018, p. 73).
7 Domenico Losurdo, na crítica à filosofia burguesa da história presente em Marx e Engels, foca nos escritos desses pensadores até os anos 50 do século XIX. Domenico Losurdo, Contra-história do liberalismo (Ideias & Letras, São Paulo, 2006, p. 6-45). Em outra obra A luta de classes: uma história política e filosófica (Boitempo, 2015), ele aprofunda a análise buscando compreender a obra marxiana-engelsiana em sua globalidade.
8 Nesse ponto, existe uma polêmica interessante. Domenico Losurdo (2015) e Kevin Anderson (2019) discordam quanto a Engels. Para o primeiro, Engels, assim como Marx, conseguiu superar o eurocentrismo. Para o segundo, Engels não conseguiu acompanhar totalmente a evolução de Marx. A despeito dessa polêmica, os dois autores concordam em um ponto: os comentários pouco críticos sobre o colonialismo dos anos 1848-1852, foram, paulatinamente, passando por mudanças importantes.
9 “O capital consiste de matérias-primas, instrumentos de trabalho e meios de subsistência de toda a espécie que são empregues para produzir novas matérias-primas, novos instrumentos de trabalho e novos meios de subsistência. Todas estas suas partes constitutivas são criações do trabalho, produtos do trabalho, trabalho acumulado. Trabalho acumulado que serve de meio para nova produção é capital. É o que dizem os economistas. Que é um escravo negro? Um homem da raça negra. Uma explicação vale tanto como a outra. Um negro é um negro. Só em determinadas relações é que se torna escravo. Uma máquina de fiar algodão é uma máquina para fiar algodão. Apenas em determinadas relações ela se torna capital”. (MARX, 1982)
10 Em 1883, o mesmo ano da morte de Marx, vê a luz na Áustria um livro de Ludwig Gumplowicz que, já pelo título (Der Rassenkampf, “A luta de raças”), se contrapõe à tese da luta de classes como chave de leitura da história. Três décadas antes de Gumplowicz, na França, Arthur Gobineau publicou seu Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas, uma obra cujo título também fala por si só. E, nesse mesmo período, na Inglaterra, Benjamin Disraeli argumenta de modo análogo, enunciando a tese de que a raça é “a chave da história” e que “tudo é raça e não há outra verdade”, e “é somente uma coisa, o sangue” que define e constitui uma raça. O ciclo histórico inteiro, que vai desde a conquista da América até as guerras do ópio e a ascensão e o triunfo do Império Britânico” (LOSURDO, 2015, p. 45).
11 “Artigo 123 — Direitos iguais para todos os cidadãos da URSS, independentemente de sua nacionalidade ou raça, em todas as esferas do Estado, seja economicamente, na vida cultural, social ou política, constituem lei irrevogável. Qualquer limitação direta ou indireta desses direitos ou inversamente, qualquer estabelecimento de privilégios, direta ou indiretamente por causa de sua raça ou nacionalidade, assim como qualquer propaganda de exclusividade nacional ou racial, de ódio ou desprezo serão punidos pela lei”. Constituição Soviética de 1936.
12 Na resolução do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores, diz Marx “Portanto, a atitude da Associação Internacional dos Trabalhadores em relação à questão irlandesa é absolutamente clara. Sua primeira necessidade é impulsionar a realização da revolução social na Inglaterra, e, para esse objetivo, o grande golpe deve ser dado na Irlanda. As resoluções do Conselho Geral sobre a anistia irlandesa buscam apenas conduzir as outras resoluções, nas quais se declara que, independentemente das demandas por justiça internacional, uma precondição essencial para emancipação da classe trabalhadora inglesa é transformar a atual união forçada (em outras palavras, a escravização da Irlanda) numa confederação livre e igual, se possível, e efetuar uma separação total, se necessário […]”. Esse escrito de Marx é de 1864. Engels, por sua vez, em 1872, diz o seguinte (escrito que serviu de base para reunião do Conselho Geral da Internacional): “Os irlandeses, assim como outras nacionalidades oprimidas, só podem entrar na Associação como iguais aos membros da nação conquistadora, e sob protesto contra a conquista. As seções irlandesas, portanto, não apenas estão justificadas, mas podem inclusive adotar como preâmbulo de seus estatutos a regra de que seu primeiro e mais urgente dever, como irlandeses, é estabelecer sua própria independência nacional. O antagonismo entre trabalhadores irlandeses e ingleses foi sempre um dos mais poderosos meios pelas quais a dominação de classe foi exercida na Inglaterra”. Textos presentes em Marcello Musto (org.). Trabalhadores, uni-vos – antologia política da I Internacional. São Paulo: Boitempo Editorial, Fundação Perseu Abramo, 2014.
13 Reforçando: Ele [o trabalhador inglês] aprecia os preconceitos sociais, religiosos e nacionais contra os trabalhadores irlandeses. A sua atitude é muito parecida a dos ‘brancos pobres’ em relação aos negros nos antigos estados escravistas dos EUA. Este antagonismo é mantido vivo artificialmente, e é intensificado pela imprensa, o púlpito, os jornais cômicos, em resumo por todos os meios à disposição das classes dominantes. Este é o segredo da impotência da classe trabalhadora […]. É o segredo pelo qual a classe capitalista mantém seu poder. E essa classe é plenamente consciente disso”. Carta de 9 de abril de 1870 a Meyer e Vogt, escrita por Marx (MARX, 1975).
14 “Os povos modernos souberam apenas disfarçar a escravidão em seus próprios países e impuseram-na sem véus no novo mundo.” Karl Marx, Miséria da filosofia (trad. José Paulo Netto, São Paulo, Boitempo, 2017, p. 104).
15 Os escritos com essas reflexões de Marx e Engels foram publicados no Brasil pela Boitempo com o título Lutas de classes na Rússia, em 2013). A organização e apresentação do volume é de Michael Löwy.

Extraido de https://blogdaboitempo.com.br/2020/07/31/o-lugar-de-marx-e-engels-na-modernidade-raca-colonialismo-e-eurocentrismo/

KWAME NKRUMAH - ESCRITOS

KWAME NKRUMAH

ESCRITOS

 

https://www.cienciasrevolucionarias.com/pagina-de-produto/kwame-nkrumah

“Nkrumah é um brilhante exemplo da capacidade do marxismo de ser uma arma crítica e emancipatória para todos os explorados e oprimidos, combinando – nunca é demais insistir: de forma crítica e criativa – as duas grandes razões revolucionárias da modernidade: marxismo e luta anticolonial. Uma prova prática, cabal, de como é uma besteira as ideologias que afirmam ser o marxismo uma “ideologia branca”, essencialmente eurocêntrico ou inadequado à compreensão de sociedades não-europeias.”

Por Jones Manoel

Theodor W. Adorno afirmou que escrever poesia depois de Auschwitz era um ato bárbaro (ADORNO, 1998, p. 26). Já Hannah Arendt, no seu clássico Sobre a Revolução, assegura que os germes da guerra total se desenvolveram já na Primeira Guerra Mundial, quando, pela primeira vez, a diferença entre soldados e civis deixou de ser respeitada (ARENDT, 2016, p.39). Mesmo o historiador marxista Eric Hobsbawm disse que a “abolição da tortura foi uma das poucas realizações do liberalismo que pode ser exaltada sem qualquer restrição” (HOBSBAWM, 2015, p. 275). O filósofo Slavoj Žižek, em entrevista ao jornal El País (2018), comentando sobre a “atração” que a “liberdade e o bem-estar” europeu provocam nos migrantes, respondeu: “continuamos oferecendo ao mundo aquele que talvez seja o grande modelo de bem-estar relativo, um único modelo que combina bem-estar e liberdade, o melhor até agora na história mundial. Portanto, deveríamos estar orgulhosos do nosso destino europeu”. Adorno, Arendt, Hobsbawm e Žižek, todos grandes nomes da ciência nas últimas décadas, têm muitas diferenças entre si.

O que eles têm de semelhante? Nesses trechos destacados, exemplos possíveis entre centenas, há um ocultamento da questão colonial [1]. Adorno diz que é um ato bárbaro escrever poesia depois de Auschwitz, mas e os massacres coloniais no final do século XIX e começo do XX na China, Coréia, Argélia, Congo, África do Sul e afins? Arendt diz que só com a Primeira Guerra Mundial a diferença entre soldados e civis passou a vigorar – nas conquistas coloniais em África, Ásia e América Central essa distinção era respeitada?

Hobsbawm afirma que o liberalismo conseguiu a abolição da tortura, mas quando? Nas colônias também? Por último, Žižek pensa o “bem-estar e a liberdade” da Europa como uma ilha, um insulamento no mundo, sem fazer a ligação entre essa prosperidade europeia e o domínio colonial sobre a maior parte do mundo. A realidade, contudo, é bem diferente da avaliação dos nossos autores. Começamos com os Estados Unidos, uma das pátrias por excelência do liberalismo:

“Em 1918, 64 negros foram linchados; em 1919, o número subiu para 83. Talvez o ato mais brutal tenha sido o ocorrido em Valdosta, no Estado da Geórgia, em 1918. Mary Turner, uma mulher negra grávida, foi enforcada numa árvore, embebida com gasolina e queimada. Quando se balançava na corda, um homem da multidão puxou uma faca e abriu seu ventre. Seu filho caiu. “Deu dois gemidos fracos – e recebeu como resposta um pontapé de um valentão, no momento em que a vida era triturada nessa forma tão minúscula” (JONES, 1973, p. 15).

Já Alexis de Tocqueville, pensador de referência para Hannah Arendt, diz sobre a colonização francesa na Argélia que “tornamos a sociedade muçulmana muito mais miserável, mais desordenada, mais ignorante e mais bárbara de quanto fosse antes de nos conhecer”. Em seguida, diz o liberal francês ainda sobre a Argélia: “dizimamos a população, que continua a ser reduzida pela fome provocada pela guerra de conquista” e, em tom de aprovação, afirma “a morte de qualquer um desses (os árabes) parece um bem” (TOCQUEVILLE apud LOSURDO 2006, p. 107). Na mesma linha de raciocínio, tece esses comentários líricos sobre a colonização da China:

“Eis, portanto, afinal, a imobilidade da Europa às voltas com a imobilidade chinesa! É um grande acontecimento que […] empurra a raça europeia para fora de seus limites e submetem sucessivamente ao seu império ou influência todas as demais raças […] é a sujeição dos quatro cantos do mundo pelo quinto”. (Idem, p. 75)

Como se pode ver, no processo de colonização, na Argélia, China ou qualquer outro país, não existia a distinção entre civis e militares. Um povo como um todo era vítima de atos de barbárie extrema e violência condensada em seu mais puro estado. Essa violência onipresente da colonização foi muito bem percebida pelo grande Ho Chin Minh,

“Sr. Beck quebrou o crânio do seu motorista particular com um golpe vindo de suas próprias mãos. Sr. Bres, empreiteiro, chutou um anamita até à morte após ter amarrado seus braços e ter o deixado ser mordido pelo seu cachorro. Sr. Deffis, tesoureiro, matou seu servo anamita com um chute fortíssimo nos rins. Sr. Henry, um mecânico de Haiphong, ouviu um barulho na rua; quando abriu a porta de sua casa, uma mulher anamita entrou, seguida de um homem. Henry, pensando que era uma perseguição feita por um nativo depois de um ‘congai’, pegou seu rifle de caça e atirou no elemento. O homem, que caiu no chão duro como uma pedra era um europeu. Questionado, Henry respondeu, “eu pensei que fosse um nativo.

Um francês apresentou seu cavalo em um estábulo onde havia uma égua que pertencia a um nativo. O cavalo empinou, deixando o francês furioso. Ele agrediu o nativo, que sangrou pela boca e pelas orelhas; após isso, o francês amarrou as mãos do nativo e o pendurou sob sua escada”. (MINH, H, C., 2017, p. 30)

Isso pode ser associado à abolição da tortura? A realidade colonial, dentre outras coisas, pode ser compreendida como um gigantesco complexo institucional, combinando de forma criativa Estado colonial e sociedade civil, de tortura onipresente em um universo de desumanização total do colonizado.

A desigualdade entre centro e periferia do sistema capitalista (colônias, semi-colônias e países dependentes) é muitas vezes compreendida apenas em sua determinação econômica. Há, contudo, também uma óbvia determinação jurídico-política. O centro do sistema, enquanto receptor de valor de toda periferia, comporta margens maiores para um conflito redistributivo sem o direcionamento para rupturas políticas e formas agudas da luta de classe. A festejada liberdade europeia, como pensa Žižek, é inseparável do vale de lágrimas da periferia do sistema.

“Ainda, toda essa ideologia se articula com uma outra falácia, que surge da exposição de uma meia verdade: a afirmação de que a democracia burguesa vigente nos elos mais fortes se explica, de maneira indeterminada, pela luta de suas classes populares. Meia verdade, dizemos, porque aqui também se omite algo que é mais do que um mero detalhe: os parâmetros estruturais do sistema que permitiram que essa luta de classes, que ninguém pretende ignorar, produzisse certos efeitos e não outros, como os que se mostram nos países subdesenvolvidos, por exemplo. Ou alguém pensa, seriamente, que a Suíça é mais democrática que a Guatemala porque no país alpino a luta de classes foi mais intensa?” (CUEVAS, 1987, p. 180)

Os exemplos acima indicam que é fundamental compreender com precisão a nossa época histórica. Note, ao final dos anos de 1980, com a vitória da burguesia mundial sobre a União Soviética, o movimento comunista e o “campo socialista”, a história da modernidade burguesa no geral, e do século XX em particular, foi reescrita com base em premissas funcionais à hegemonia do capital. O traço primário dessa hegemonia é contar a história da modernidade como uma marcha inequívoca de liberdade, democracia, direitos humanos e desenvolvimento econômico. Um belo dia, porém, essa marcha sem sofrimento rumo ao paraíso é interrompida pelas duas grandes bestas que pareciam diferentes, mas são iguais: nazifascismo e comunismo soviético – ambos totalitários.

Nessa autoimagem do mundo burguês, como bem disse Domenico Losurdo, “impressiona […] a ausência da história e, em certo sentido, até da política. Desaparecem o colonialismo, o imperialismo, as guerras mundiais, as lutas de libertação nacional” (LOSURDO, 2010, p. 187). O primeiro passo para compreender a importância de Kwame Nkrumah e os dois livros em mãos do leitor/a – a Luta de Classes na África e Neocolonialismo, último estágio do imperialismo – é resgatar a história e a política ausente do balanço histórico dos vencedores sobre a grande guerra de classes do século XX.

O ato de nascimento da modernidade é a conquista colonial do território posteriormente chamado de América. A partir daí começa um ciclo, até hoje vigente, com formas histórico-sociais diferenciadas de extermínio dos povos não ocidentais pelo poder político-econômico, que se apresenta como personificação do Ocidente: o extermínio dos povos originários da América, a escravização e o tráfico de pessoas de África e a empresa de exploração colonial se combinam com o início da criação do conceito de raça [2].

O primeiro ciclo de domínio colonial pode ser datado do século XVI até o século XVIII. A partir da segunda metade do século XVIII começa um novo ciclo de domínio colonial ocidental rumo ao controle de nações milenares como a chinesa e a indiana. A Guerra do Ópio que inaugura o período chamado pelos chineses de “Século de Humilhações”, e consiste em uma marca fundamental na história do mundo. Naquele momento, aquela que foi durante séculos a nação não-ocidental mais poderosa do mundo é destroçada pelo poder colonial e sua superioridade militar inconteste.

Nas últimas décadas do século XIX, com o capitalismo transitando para sua fase imperialista, o colonialismo ocidental dominou todo globo. No primeiro ano do século XX, a imensa maioria da humanidade estava colonizada, sujeita a trabalhos forçados, regimes de supremacia racial, excluída da categoria de ser humano e sem gozar da maravilhosa liberdade dos modernos, exaltada por Benjamin Constant. Esse dado básico da história da modernidade excluída da autoconsciência burguesa do nosso tempo foi muito bem expresso no famoso debate entre Palmiro Togliatti e Norberto Bobbio.

Bobbio defendia, nos anos posteriores à Segunda Guerra, que os comunistas precisavam incorporar o liberalismo na sua teoria e prática de governo nos países socialistas. Togliatti, porém, faz o seguinte questionamento: “Quando e em que medida foram aplicados aos povos coloniais aqueles princípios liberais sobre os quais se diz fundado o Estado inglês do século XIX?” E prossegue afirmando que “a verdade é que a doutrina liberal […] está fundada numa discriminação bárbara entre as criaturas humanas, que se alastra não só nas colônias, mas na própria metrópole, como demonstra o caso dos negros estadunidenses” (TOGLIATTI apud LOSURDO, 2018, p. 72).

A conclusão é inequívoca: o balanço histórico da modernidade e, portanto, do liberalismo, Iluminismo, democracia, republicanismo e afins, muda radicalmente considerando a realidade da… maioria da população mundial – os povos colonizados. Mas esse processo histórico de longa duração de subjugação da maioria da humanidade não aconteceu sem resistência. Desde os povos originários das Américas, como os Mapuche no Chile, passando pela resistência quilombola dos negros(as) escravizados(as) no Brasil, até o Levante dos Boxers, kikuyus no Quênia e os anamitas na Indochina, e assim segue. Os exemplos são infinitos. O central é destacar que, a partir de diversas formas, conteúdos ideológicos, composição de classe e estratos sociais, uma série de lutas de resistência anticolonial cortam toda história da modernidade.

Essa é a primeira razão revolucionária da modernidade. Uma permanente luta de resistência que tem como fulcro a defesa da diversidade de modos de vida, organização social, manutenção da condição de humano e formas de produção pré-capitalistas de conteúdo às vezes comunitarista ou até igualitário com relações tendencialmente mais harmônicas com a natureza. O ápice dessa razão revolucionária foi a Revolução Negra antiescravagista e anticolonial de Santo Domingo.

Nessa revolução, os negros escravizados tomaram o poder matando seus senhores, acabando com a escravidão, combatendo o colonialismo Francês e clamando pela tão festejada universalidade dos direitos humanos, cometendo o sacrilégio, aos olhos do mundo liberal, de dizer que os negros também tinham direitos naturais, razão e sentido de liberdade [3]. O artigo 14° da Constituição haitiana de 1804, afirma que “todas as distinções de cor necessariamente desaparecerão entre os filhos de uma e a mesma família, onde o Chefe de Estado é o pai; todos os cidadãos haitianos, de aqui em diante, serão conhecidos pela denominação genérica de negros”. O negro, enquanto símbolo de segregação e domínio total, passa a ser o verdadeiro universal emancipatório [4].

O marxismo, a segunda razão revolucionária da modernidade, é o negativo mais completo, desenvolvido e radical do capitalismo. Oferece uma crítica radical à ordem burguesa a partir da crítica da economia política; uma compreensão unitária, histórica e desmistificadora de mundo com o materialismo histórico-dialético e uma teoria da revolução e da construção de um mundo novo, comunista, com fundamento na ditadura revolucionária dos explorados e oprimidos. Um dos grandes paradoxos do capitalismo é que quanto mais ele tornou-se universal, dominando o mundo alicerçado no colonialismo-imperialista, por consequência tornou-se o marxismo, enquanto seu negativo, a filosofia insuperável do nosso tempo, como diria Sartre.

Essa universalidade do marxismo, contudo, não se expressa sem dificuldades. Muitos marxistas mostram uma incapacidade sistemática de fazer o que Lênin chamava de uma “análise concreta de uma situação concreta” e do marxismo uma arma viva pela revolução. Exemplo prático disso é a vulgata marxista presente em muitos partidos e intelectuais de que o grande problema da ordem burguesa é que ela garante apenas igualdade formal, jurídica, buscando a partir dessa superestrutura ocultar as desigualdades socioeconômicas. Como vimos no começo dessa introdução, é um escárnio com a história concreta da maioria da humanidade – isto é, os povos colonizados e de capitalismo dependente – tal afirmação.

O grande desafio do marxismo foi e continua sendo materializar-se enquanto um guia para ação que consiga concretizar sua dimensão universal – a crítica radical da ordem burguesa e o horizonte da emancipação humana – a partir das diversas mediações nacionais, locais. Em outros termos, entender a multiplicidade de formas da luta de classes (o plural aqui é importante) e das diversas contradições constitutivas da luta política em condições histórico-concretas. Isso significa, dentre outras coisas, que raramente a luta de classes se apresenta na sua forma “pura” imaginada, como um conflito mais que claro entre um bloco de trabalhadores de um lado e um bloco de burgueses de outro [5], e as tarefas da conquista do poder e da revolução, concretamente, não são as mesmas, nem têm os mesmos ritmos, para todas as formações econômico-sociais.

Kwame Nkrumah foi um dos muitos revolucionários do século XX que conseguiu fazer do marxismo uma arma na luta anticolonial e socialista do seu povo e usar o materialismo histórico-dialético de forma crítica e criativa para, superando o colonialismo cultural, analisar seu país, Gana, e o continente africano como um todo. Nascido em 1909, veio de um seio familiar que poderíamos chamar, genericamente, de “classe média”. Estudou em escolas católicas de Gana e, posteriormente, teve um período formativo nos Estados Unidos na Universidade da Pensilvânia. Nesse país conheceu figuras como C.L.R. James e tomou contato mais aprofundado com filosofia, política, história e o marxismo.

Kwame Nkrumah também participou do Sexto Congresso Pan-africano em Manchester, na Inglaterra, e matinha uma relação de assimilação crítica com as reflexões de Marcus Garvey. Depois de seu longo período de estudos e atividades políticas divididas entre Estados Unidos e Europa, volta para Gana e torna-se o principal líder da independência do país. Com Gana independente, Nkrumah foi primeiro-ministro entre 1957 e 1960 e presidente de 1960 a 1966. Em 1966, enquanto fazia uma visita ao Vietnã Socialista, sofreu um golpe de Estado articulado pela burguesia local e setores descontentes da burocracia governamental com apoio do imperialismo britânico.

Nunca mais conseguiu voltar para Gana em vida. Continuou atuando como um líder socialista, anti-imperialista e pan-africanista, especialmente a partir de sua produção intelectual, até morrer em 1972, quando pôde, finalmente, voltar à sua amada pátria. Não será, no âmbito dessa introdução, o espaço para avaliar o período de Nkrumah como governante e sua política de transição socialista. As tentativas de transição socialista em África exigem maior tempo de reflexão, estudo e aprofundamento – especialmente por parte de nós, brasileiros, que vivemos também na periferia do sistema capitalista.

Vamos focar, agora, a título de conclusão desta introdução, em quatro aspectos fundamentais da obra de Kwame Nkrumah, presentes nos dois livros desse novo volume. Nkrumah, assim como outros grandes marxistas da periferia do sistema (como José Carlos Mariátegui) teve que enfrentar um desafio que se põe para todo revolucionário que teve uma civilização antiga destruída pelo colonialismo, mas que se depara com sobrevivências, reminiscências de modos de produção antigos: o que fazer com essa herança?

Frente à história pré-capitalista e às relações que ainda sobrevivem, podemos cometer dois erros. O primeiro: defender que estas não são importantes, que vão desaparecer como um dado natural e inexorável, bastando focar na crítica ao capitalismo, ignorando as particularidades histórico-concretas. O resultado disso, grosso modo, é colonialismo cultural e eurocentrismo, impossibilitando de desenvolver uma análise e, portanto, uma prática política, correta. Um segundo problema é o fetiche do particularismo: a noção de que, dada a existência de um passado pré-capitalista com legado civilizacional forte e sobrevivências dessas relações sociais, o marxismo não é capaz de captar a essência dessa formação social, sendo necessário desenvolver uma nova teoria – ou método – apto a compreender esse fenômeno único.

Nkrumah, no seu A Luta de Classes na África, conseguiu enfrentar com maestria esses problemas. Mostrou como o passado pré-capitalista e a existência de múltiplos modos de produção combinados sob a dominância do capitalismo criam particularidades no continente africano, mas não particularidades absolutas e sim formas específicas do ser social capitalista plenamente compreensível à teorização marxista. África é um continente cindido em classes antagônicas. Aqui a universalidade do mundo do capital se impõe. Mas Nkrumah sabe captar essa universalidade em seu movimento real e mostra isso, por exemplo, quando analisa o papel da raça e do racismo na estrutura de classes do capitalismo em África.

Em segundo lugar, o revolucionário de Gana também conseguiu resolver com talento um dilema de dilacerou todo movimento anticolonial de África: a leitura histórica do passado pré-colonial. Houve uma tendência muito forte em diversos movimentos políticos em idealizar esse passado como uma época idílica, sem contradições, exploração, pobreza ou miséria, buscando contrapor-se ao discurso colonial-imperialista do continente bárbaro, sem história, cultura, etc. Nkrumah no A luta de classes… consegue mostrar que depois da penetração do capitalismo, as mazelas sociais, como a exploração, alcançam outro patamar histórico, o que não significa dizer que elas não existiam anteriormente.

As sociedades africanas pré-coloniais, guardada toda diversidade, eram, no geral, dotadas de menor níveis de desigualdade, exploração e miséria. Não eram perfeitas, paraísos. Não se trata, portanto, de recriar uma sociedade que não existe mais. Essa perspectiva, para Nkrumah, era reacionária. É necessário, indispensável, combater os mitos do poder colonial, criar uma história crítica, combatente ao eurocentrismo, mas sem idealizar o passado. A poesia da Revolução Africana, resgatando criticamente o passado, está no futuro.

Um terceiro aspecto, já comentado, é o caráter criativo do marxismo de Nkrumah. O nosso revolucionário, partindo da clássica análise de Lênin sobre o imperialismo como etapa superior do capitalismo, não se limitou a repetir as considerações do líder bolchevique ou tratá-las como uma teoria geral a ser encaixada numa realidade diversa. Em Neocolonialismo, último estágio do imperialismo ele desenvolve a teoria marxista do imperialismo, exibe uma aguçada análise do neocolonialismo e mostra os meandros da permanência da dominação imperialista nos países africanos que conseguiram a independência política.

Por último, nos dois livros que o(a) leitor(a) tem em mãos, é possível ver uma teoria concreta da revolução. Nkrumah passava longe do doutrinarismo comum a certos marxistas que acham que proclamar a revolução em dimensões totalmente abstratas é solução para tudo ou que organizar as massas é convencer, como se fosse uma competição retórica, de que o socialismo é melhor que o capitalismo. Ele consegue apreender as expressões concretas do desenvolvimento capitalista em condições neocoloniais e, a partir disso, propor tarefas de superação dessa condição. Pensa a revolução como uma série de mediações tático-políticas, ligadas à estratégia de conquista do poder, com vistas à construção de outra ordem social. A Revolução é um ato vivo, concreto, tocando o presente para construção do futuro.

Em suma: segue um brilhante exemplo da capacidade do marxismo de ser uma arma crítica e emancipatória para todos os explorados e oprimidos, combinando – nunca é demais insistir: de forma crítica e criativa – as duas grandes razões revolucionárias da modernidade: marxismo e luta anticolonial. Uma prova prática, cabal, de como é uma besteira as ideologias que afirmam ser o marxismo uma “ideologia branca”, essencialmente eurocêntrico ou inadequado à compreensão de sociedades não-europeias.

Boa leitura!


Notas:

[1] Não quero, contudo, resumir toda obra desses pensadores apenas a esses exemplos. Os níveis de ocultamento da questão colonial e eurocentrismo são variados e tem historicidade. Hobsbawm, por exemplo, é bem melhor que Hannah Arendt na compreensão da periferia do sistema capitalista.

[2] Para aprofundar o debate sobre modernidade, colonialismo e o conceito de raça, ver MANOEL, Jones. A luta de classes pela memória: raça, classe e Revolução Africana In Revolução Africana: uma antologia do pensamento marxista. Org. Manoel, Jones; Landi, Gabriel. São Paulo, Autonomia Literária, 2019.

[3] É necessário sempre lembrar que todas as revoluções burguesas clássicas foram escravagistas no sentido muito preciso: depois delas, seja a nível interno, ou no papel do país no tráfico de pessoas escravizadas, a revolução e o triunfo liberal deram força de expansão a esse instituto bárbaro. Mas temos uma exceção: a Revolução Francesa. Nesse ponto, damos a palavra a esse pensador: “a insistência dos críticos liberais da Revolução Francesa em atribuir à “revolução americana” a iniciativa histórica da Declaração dos Direitos do Homem confirma a que ponto o liberalismo de hoje rebaixou-se a uma vulgar apologia do Império estadunidense. Afetam esquecer uma não pequena diferença entre a concepção de direitos humanos dos chamados “Pais Fundadores” dos Estados Unidos e a dos revolucionários jacobinos: aqueles mantiveram os negros na escravidão; estes aboliram-na imediatamente. Ela foi entretanto restabelecida nas colônias francesas após a queda de Robespierre…” (MORAES, 2001, p. 13).

[4] Para um aprofundamento do significado da revolução haitiana, conferir “Os jacobinos negros: Toussaint L’Ouverture e a revolução de São Domingos” de C. L. R. James: São Paulo, Boitempo, 2010.

[5] “Imaginar que uma revolução social é concebível sem as revoltas das pequenas nações nas colônias e na Europa, sem as explosões revolucionárias de um setor da pequena-burguesia com todos seus preconceitos, sem um movimento do proletariado politicamente não-consciente e massas semiproletárias contra a opressão de seus latifundiários, da Igreja, e da Monarquia, contra a opressão nacional, etc. – imaginar isso é condenar a revolução social. Então, um exército se enfileira em um local e diz “Nós apoiamos o socialismo”, e outro, em outro local qualquer, diz “Apoiamos o Imperialismo”, e isso será uma revolução social! Apenas aqueles que têm uma visão tão ridiculamente pedante podem difamar a rebelião irlandesa chamando-a de “putsch”. Quem espera uma revolução social “pura” nunca vai viver para vê-la. Tal pessoa fala tanto de revolução sem entender o que é uma revolução” V. I. Lênin – A Rebelião Irlandesa de 1916. Disponível no link: https://www.novacultura.info/single-post/2018/04/22/Lenin-A-Rebeliao-Irlandesa-de-1916

Fonte: https://lavrapalavra.com/2020/03/04/kwame-nkrumah-o-encontro-de-duas-razoes-revolucionarias/#more-12369

RADIOGRAFIA DO PREDADOR SOCIAL:

Opressões de gênero, raça e classe interseccionam-se no romance

“Clara dos Anjos”, de Lima Barreto (1881 – 1922)

No livro Clara dos Anjos, redigido entre Dezembro de 1921 e Janeiro de 1922, poucos meses antes de sua morte, Lima Barreto (1881 – 1922) despeja uma mordaz torrente de denúncias e críticas sobre o vilão de sua novela, Cassi Jones. Este branquelo dos subúrbios, violeiro de pouco talento musical mas capaz de usar canções mela cueca como arma de sedução para satisfazer seus ímpetos libidinosos, é descrito pelo autor com uma boa dose de indignação.

Nesta obra publicada postumamente, em que Barreto expande a narrativa que aparecia de forma condensada em um de seus contos, o autor chuta pra escanteio qualquer noção de “narrador imparcial” e aborda, com sua pena satírica e visionária, as intersecções entre raça, gênero e classe que explicam as desventuras e atropelos de seus personagens.

Cassi representa a delinquência masculina que faz das mulheres suas vítimas em série. É o macho abusador que evoca, num cenário pós-abolicionista, todos os falos de escravocratas que estupraram, através da história do Brasil-colônia, milhares de mulheres tratadas como sub-humanas devido à cor de sua pele, sua descendência africana ou sua posição social enquanto desvalidas de capital: Cassi “catava com cuidado as vítimas entre as pobres raparigas que pouco ou nenhum mal lhe poderiam fazer, não só no que toca às autoridades, como da dos pais e responsáveis.” (BARRETO, p. 854)

Apesar de seu nome, que pode vir a sugerir uma brancura angelical, Clara dos Anjos, a filha do carteiro Joaquim (também um flautista amador) e da dona-de-casa Engrácia, é uma mestiça afrobrasileira duns 17 anos de idade. A ingenuidade a define melhor que qualquer outra característica, e por isso ela é vista como uma presa possível para Cassi, esta versão anos 1920 do predador sexual colonial.  Clara pertence ao grupo destas pobres raparigas que o Mr. Cassi Jones enxerga, através de seu viés de macho tóxico, como pertencente àquela classe de mulheres que são abusáveis com certo grau de impunidade garantida.

Apesar de integrar a classe média baixa e também habitar nos subúrbios do Rio de Janeiro, Cassi encarna a arrogância daqueles que, apesar de também serem pobres, acham-se superiores à maioria da população, desprezada por sua pele de cor “azeitonada” e pelos escassos recursos financeiros. Em Triste Visionário, Lília Schwarcz revelou em minúcias o quanto Lima Barreto soube ser o cronista genial “das continuidades da escravidão que se reinventavam na República” (SCHWARZ, p. 413). O malfadado romance entre Clara dos Anjos e Cassi Jones serve como emblema de um Rio de Janeiro que aparece, aos olhos do autor, como metrópole fraturada pela exclusão social inextricável de um racismo estrutural que a Lei Áurea não soube abolir:

“O Rio de Janeiro, que tem, na fronte, na parte anterior, um tão lindo diadema de montanhas e árvores, não consegue fazê-lo coroa a cingi-lo todo em roda. A parte posterior, como se vê, não chega a ser um neobarbante que prenda dignamente o diadema que lhe cinge a testa olímpica…” [3] (BARRETO, p. 790)

A tal da “Cidade Maravilhosa” do cartão postal, quando atentamos para suas periferias, é repleta dos horrores da opressão e da injustiça – e o destino de Clara dos Anjos o revela bem. Lima Barreto descreve Cassi como um pérfido vilão, sem sombra de empatia ou de escrúpulos morais, capaz de desgraçar a vida de muitas mulheres casadas e adolescentes ingênuas. Sua vilania, que passa por sacanagens e falcatruas menores (como tentar comprar versos propinando o poeta Leonardo Flores), culmina com o assassinato que Cassi e seu cúmplice perpetram contra Marramaque, padrinho de Clara, que servia como obstáculo aos intentos de sedução de Cassi.

Ilustração por Eduardo Schlosser

Em uma das cenas mais notáveis do livro, no capítulo 9, Cassi reencontra-se com sua primeira vítima: Inês, enfurecida, parte para cima de seu abusador canalha e se apresenta como “aquela crioulinha que sua mãe criou”; em um passado distante que ele quis apagar de sua memória, Cassi fazia “festa” com a criada escurinha da casa, e depois obviamente não quis assumir a responsabilidade pela criança fruto destas libidinagens. “É sempre assim”, grita-lhe Inês, “esses nhonhôs gostosos desgraçam a gente, deixam a gente com o filho e vão-se. A mulher que se fomente… Malvados!” (p. 841)

De certo modo, Lima Barreto opera com uma caracterização das personagens principais que as separa entre algozes e vítimas. Porém, não se baseia num maniqueísmo enraizado em crenças religiosas, mas numa espécie de radiografia das opressões, que acaba por desvelar a jovem mulher negra como vítima-mor da sociedade. Cassi, agarrado aos restritos privilégios que possui na sociedade por ter pele clara e supostamente descender de um avô que foi um lorde inglês, é explicitamente descrito como um crápula. Cassi é capaz das piores perfídias e o autor não empresta nenhum glamour à sua malandragem delinquente. Já Clara dos Anjos, em sua posição de vítima, tem sua condição profundamente lamentada por Lima Barreto, a ponto de Lilía Schwarcz afirmar, segundo a Revista Cult: “Clara era o alter ego feminino de Lima Barreto: a menina dos subúrbios que sofre o que ele sabia que sofreria se fosse mulher”.

A moça, sem instrução, entregue a sonhos lânguidos de amor, perdida nas representações imaginária do príncipe encantador que viria com suas modinhas adocicadas entoadas ao violão para ensiná-la sobre o amor, Clara dos Anjos é vítima, a seu modo, da segregação escolar. Em vários momentos do livro, Lima Barreto enfatiza que Clara teria sido lamentavelmente prejudicada por uma educação falha.

Hoje, poderíamos lamentar, de modo um tanto anacrônico, o fato de Clara dos Anjos não teve acesso aos debates realizados no âmbito do feminismo negro, que a teriam capacitado a estar muito mais lúcida e alerta diante das tendências abusivas e opressoras do macho-branco-cis que goza de certas prerrogativas em uma sociedade machista, racista e homofóbica. Clara dos Anjos, caso tivesse sido educada para discernir a masculinidade tóxica e a cultura do estupro em ação na figura de Cassi, poderia ter tido a sabedoria elementar de dar um pé na bunda do calhorda e fechar-lhe as portas e as pernas.

Ilustração por Eduardo Schlosser

A crônica da infelicidade que desgraça Clara dos Anjos é perpassada pelo poder dúbio da música e da poesia, é claro, mas também tem conexão com uma educação familiar “protecionista” que não a capacitou para desenvolver senso crítico que de fato a protegesse do predador sexual que era Cassi. Por um lado, ela é seduzida pelos dons musicais do moço, conquistada pelo violeiro e suas baladas melosas, sem que ela tenha capacidade de enxergar nele o farsante que, muito longe de ser um artista autêntico, utiliza-se da música como um meio para conquistar seus fins de tarado impenitente.

No capítulo 8, Lima Barreto aventura-se em uma espécie de crítica da família nuclear constituída por Clara e seus pais (Joaquim e Engrácia), em um dos trechos de maior atualidade do livro, pois demonstra a falácia perigosa daqueles que se insurgem contra a discussão de gênero, raça e classe, enquanto eixos de estruturação das opressões nas sociedades segregadas e injustas que seguem sendo as nossas, em prol de uma suposta “superioridade” de um ensino devotado aos valores antigos (Deus, Patriarcado, Propriedade) da “família tradicional brasileira”:

“Clara era uma natureza amorfa, pastosa, que precisava mãos fortes que a modelassem e fixassem. Seus pais não seriam capazes disso. A mão não tinha caráter, no bom sentido, para o fazer; limita-se a vigiá-la caninamente; e o pai, devido aos seus afazeres, passava a maioria do tempo longe dela. E ela vivia toda entregue a um sonho lânguido de modinhas e descantes, entoadas por sestrosos cantores, como o tal Cassi e outros exploradores da morbidez do violão… Na sua cabeça, não entrava que a nossa vida tem muito de sério, de responsabilidade, qualquer que seja a nossa condição e o nosso sexo.

Cada um de nós, por mais humilde que seja, tem que meditar, durante a sua vida, sobre o angustioso mistério da Morte, para poder responder cabalmente, se tivermos que o fazer, sobre o emprego que demos a nossa existência. Não havia, em Clara, a representação, já não exata, mas aproximada, de sua individualidade social; e, concomitantemente, nenhum desejo de elevar-se, de reagir contra essa representação. A filha do carteiro, sem ser leviana, era, entretanto, de um poder reduzido de pensar, que não lhe permitia meditar um instante sobre o seu destino, observar os fatos e tirar ilações e conclusões.

A idade, o sexo e a falsa educação que recebera tinham muita culpa nisso tudo; mas a sua falta de individualidade não corrigia a sua obliquada visão da vida. Para ela, a oposição que, em casa, se fazia a Cassi, era sem base… Seu pai – pensava ela – estava bem empregado, relacionado, respeitado; ele, portanto, não seria tão tolo, que fosse desrespeitar uma família honesta, que tinha por chefe tal homem. De resto, esses rapazes não são culpados do que fazem; as moças são muito oferecidas…

Com raciocínios desse jaez e semelhantes, Clara, na ingenuidade de dua idade e com as pretensões que a sua falta de contato com o mundo e capacidade mental de observara e comparar justificavam, concluía que Cassi era um rapaz digno e podia bem amá-la sinceramente.” (p. 810)

Assim como Clara teve uma educação que não lhe fortaleceu o senso crítico e que a fez naturalizar o discurso patriarcal dominante – ela chega a culpar as vítimas, dizendo que as moças são “muito oferecidas” e que os machos abusadores e estupradores não tem culpa… -, também Cassi é descrito como alguém com “instrução mais que rudimentar”. Em trechos muito surpreendentes do capítulo 6, Lima Barreto revela sua faceta de moralista e rasga o verbo contra seu vilão, Cassi Jones, descrito como uma pessoa de “estupidez congênita” e “perversidade inata” – trata-se de atitude bastante estranha em um autor que fazia muitas críticas “a modelos de determinismo racial, hereditários e biológicos”, que Lilia Schwarcz explica assim:

“Ainda que desacreditasse tais teorias, não se furtou a utilizá-las na construção da figura de seu vilão, que carregava ‘taras inatas’. Ele podia estar jogando com o senso comum da época ou projetando-o para delinear o seu personagem. De toda forma, os termos evidenciam como a linguagem da biologia era ainda forte naquele momento. Mas não era só o tema da raça, expresso nas cores sociais, que aparecia no romance de modo intencional. Foi nessa trama que o escritor investiu de forma mais direta na denúncia aos maus-tratos das mulheres pobres.” (p. 413)

Cassi, um cara inculto e que nunca lia os jornais, embevecia-se com alguns versinhos líricos que lhe caíam em mãos e ele musicava, concluindo deles “que tinha o direito de fazer o que fazia porque os poetas proclamam o dever de amar e dão ao Amor todos os direitos, e estava acima de tudo a Paixão. Vê-se bem que ele não sentia nada do que, poetas medíocres que o guiavam nas suas torpezas, falavam; (…) percebia-se perfeitamente que nele não havia Amor de nenhuma natureza e em nenhum grau. Era concupiscência aliada à sórdida economia, com uma falta de senso moral digna de um criminoso nato – o que havia nele.

O verdadeiro estado amoroso supõe um estado de semiloucura correspondente, de obsessão, determinando uma desordem emocional que vai da mais intensa alegria até a mais cruciante dor, que dá entusiasmo e abatimento, que encoraja e entibia; que faz esperar e desesperar, isto tudo, quase a um tempo, sem que a causa mude de qualquer forma. Em Cassi, nunca se dava isso. Escolhida a vítima de sua concupiscência, se, de antemão, já não as sabia, procurava inteirar-se da situação dos pais, das suas posses e das suas relações…” (p. 779)

Ilustração por Eduardo Schlosser

O romance progride como uma espécie de tragédia anunciada, mas que se mostra inevitável dado o tabuleiro deste jogo: Clara não tinha recursos afetivos nem formação educacional para resistir à lábia do violeiro luxuriante, ainda que soubesse do vasto currículo de predador sexual de Cassi, engravidador de mulheres abandonadas e causador indireto de suicídios e divórcios.

Com sua reputação já muito desgraçada no Rio de Janeiro, Cassi abandona a capital federal poucos dias depois de ter tido acesso aos prazeres carnais no leito de Clara dos Anjos, deixando-a para trás como um trapo usado, lançando Clara – com um filho em gestação em seu ventre – no seu vasto lixão de mulheres abusadas e largadas. Cassi trata Clara com a sem-cerimônia de quem atirasse uma pessoa à lixeira como se ela não passasse de um preservativo cheio de porra. Tudo culmina com a percepção da moça, desgraçada pelo abandono de seu abusador: “Nós não somos nada nesta vida.”

Lima Barreto, um século após sua morte, está presente no cenário da literatura brasileira do século XXI como um mestre que enfim merece as atenções que sua obra magistral merece: homenageado pela FLIP (Festa Literária de Paraty) em 2017, estudado com maestria por sua biógrafa Lilia Schwarz, tem sua negritude reafirmada contra os intentos de embranquecimento do cânone que, para além da farsa do Jesus branco e de olhos azuis, também tentam fabricar a representação fake de Machado de Assis ou Gonçalves Dias como se fossem arianos e não mestiços. Lima Barreto, neste contexto, é uma encarnação das contradições do próprio Brasil, um “triste visionário” que denunciou o racismo, o sexismo e o classismo através de uma obra multifacetada e ainda atualíssima. Como escreve Helô D’Ângelo:

“Pele cor de azeitona escura”, como ele mesmo se definia, Barreto sentiu na pele as consequências de ousar ser um homem negro ocupando um espaço completamente dominado por brancos – e via com desconfiança a própria Lei Áurea e a noção de “liberdade” que ela trazia: “Liberdade era uma palavra que eu desconfiava e não confiava”, ele registrou em um diário da época.

Como uma resposta à discriminação racial e à exclusão social sofrida dia após dia, Barreto escrevia sobre estes assuntos de forma dura em uma época em que ninguém estava disposto a falar ou ler sobre isso. A intenção do autor, segundo Schwarcz, era de fato incomodar: ‘Ele achava que os negros só poderiam ser socialmente integrados através da luta e do constante incômodo. Por isso, denunciava que a escravidão não acabou com a abolição, mas ficou enraizada nos menores costumes mais simples’. Para chegar à dose perfeita de incômodo, Barreto fazia uma literatura do “Rio de Janeiro alargado”: não falava apenas do centro da cidade, mas principalmente dos subúrbios e de seus habitantes; descrevia detalhadamente as estações de trem e os transeuntes, as ruas e os bares, os costumes e as tradições populares, as violências e opressões, deixando a burguesia branca de lado.” (D’ÂNGELO, 2017)

Clara dos Anjos, além de denunciar os maus tratos contra as mulheres negras que são naturalizados em uma cultura onde reina a branquitude falocrática, é também um útil instrumento de educação das massas sobre as fantásticas e ideológicas noções de “democracia racial” e de uma “miscigenação” que teria sido festiva e consensual – na verdade, nunca houve democracia racial mas sim apartheid tropical e a nossa miscigenação esconde estupros e abusos em massas perpetrados por machos tóxicos de mentalidade racista-colonialista.

Fazendo, através de Cassi, uma espécie de radiografia do predador social, revela que não necessariamente o lócus da opressão são os palácios da classe dominante ou as mansões dos burgueses, mas um pobre-diabo da classe média baixa pode, em sua arrogância estúpida, tornar-se um opressor racista, sexista e classista no trato com aqueles com quem, se fosse dotado de empatia e solidariedade, deveria unir seu destino em teias mais amoráveis e colaborativas. Mas Cassi só sabe agir como predador e explorador – ninguém lhe ensinou melhor.

Em seu retrato dos subúrbios do Rio, que descreve como “refúgio dos infelizes”, Lima Barreto não poupa na ironia para descrever também nossa lendária capacidade para o sincretismo religioso, como ilustra um brilhante trecho em que descreve a chegada da seita protestante do norte-americano, Mr. Quick Shays, ao bairro onde moram Clara, Cassi e os demais personagens da trama:

“É próprio do nosso pequeno povo fazer uma extravagante amálgama de religiões e crenças de toda sorte, e socorrer-se desta ou daquela, conforme os transes e as momentâneas agruras de sua existência. Se se trata de afastar atrasos de vida, apela para a feitiçaria; se se trata de curar uma moléstia tenaz e renitente, procura o espírita; mas não falem à nossa gente humilde em deixar de batizar o filho pelo sacerdote católico, porque não há, dentre ela, quem não se zangue: ‘Está doido! Meu filho ficar pagão! Deus me defenda!’” (pg. 719)

Lima Barreto, mestre da ironia, tem um olhar que corrói qualquer ingenuidade romântica (no sentido comum do termo) com o ácido cáustico de seu sarcasmo, desvelando uma realidade complexa, em que as teias da sociabilidade estão todas atravessadas por antagonismos e exclusões que ele viveu, como milhões, na pele – mas que expressou, como poucos, na ímpar e inimitável singularidade de seu gênio literário.

Eduardo Carli de Moraes 
Goiânia, Janeiro de 2020

Fonte: https://acasadevidro.com/

assata

CULTURA E NOSSA ANCESTRALIDADE A PARTIR DE TEORIAS BRANCAS

Por Anin Urasse

Há um tempo, no intuito de contribuir com a disseminação de textos de autores/as pretos/as pouco lidos/as no Brasil, comecei a fazer traduções da Assata Shakur (vai rolar o livro dela mais pra frente!). Traduzi 6 cartas suas, uma delas denominada “para as minhas irmãs”, e saí distribuindo em todos os grupos de facebook que eu pude. Pois bem.

De alguma forma a estratégia deu certo, e tenho ouvido mais referências a Assata por aí. Acontece que, recentemente, uma página de feministas brancas compartilhou sua foto associando-a ao feminismo.

A branquitude tem a mania de pegar as referências pretas e ler a partir de sua própria historicidade. Assim, Zumbi virou marxista (quase 300 anos antes do marxismo nascer!) e Luisa Mahin virou feminista, por exemplo. Isso é branqueamento. ISSO É RACISMO. Mas isso não é nenhuma novidade (uma vez racista, sempre racista) e eu não estaria aqui escrevendo se eu não tivesse vendo que tem irmãos pretos e pretas reproduzindo isso.

Para além de qualquer disputa teórica envolvida (eu sou mulherista afrikana declarada e todo mundo sabe), nós temos a OBRIGAÇÃO de cuidar do nosso legado preto. Por mais que tentem enegrecer o feminismo, é INDISCUTÍVEL que o feminismo é uma teoria européia nascida quando ainda levávamos chibatada no tronco. PONTO. Enquanto estávamos sendo fodidos/as – de uma forma que eu nem sei se teremos condições de nos recuperar -, as mulheres brancas estavam arquitetando um movimento de emancipação PRA ELAS e a gente só podia contar com nossos orixás, vuduns e inquices. E agora querem dizer que Yansã é feminista? Velho, ISSO É MUITO GRAVE!

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Nós éramos comedores/as de restos! Durante anos nós comemos os restos de comida das mulheres brancas  e seus maridos, e de restos de porco e de boi fizemos a feijoada, pra hoje ter gente falando em “feijoada feminista”? “Grafite feminista”? “Rap feminista”? Vocês querem entregar o legado preto todo pra brancura?

Existe um feminismo feito por mulheres pretas? Sim, existe. Mas não é disso que eu estou falando. Cada um que siga a linha teórica que lhe apetece, mas precisamos ser HISTORICAMENTE HONESTAS. O feminismo negro tem 40 anos. Nzinga, Dandara, Luisa Mahin, Zeferina, Yaa, Nanny não eram feministas. O feminismo (branco, negro, chicano, islâmico, liberal, marxista, ou qualquer vertente aí) nem sonhava em nascer quando essas mulheres pretas estavam desafiando homens e mulheres brancos na luta pelo nosso povo.

A luta e a história de mulheres pretas são muito maiores que o feminismo! Não é justo, caramba! A Irmandade Nossa Senhora da Boa Morte está aí pra nos ensinar que mulheres pretas se associavam para se cuidarem e cuidarem do seu povo muito antes do feminismo nascer. Isso tem sido muito utilizado por mulheres pretas para se reivindicarem “feministas originais”, “verdadeiras feministas”, mas por que diabos a gente tem que disputar essa porra desse rótulo europeu? Luisa Mahin não era feminista, ela era mulher preta! Minha mãe, com toda sua força e sabedoria, que venceu a miséria, a doença e o analfabetismo NÃO É FEMINISTA! Ela é uma mulher preta forte da porra! Maior do que qualquer teórica feminista que a europa possa produzir!

Assata Shakur não é feminista, é uma mulher preta que fazia parte de uma organização armada nos EUA, o Exército de Libertação Negra (por sinal, alguém saberia me apresentar alguma feminista branca que tenha feito uma luta armada real como Assata Shakur fez? Enquanto faço essa pergunta penso na valerie solanas e penso como o feminismo branco é PATÉTICO).

Olhar para uma Orixá e dizer que ela é feminista, também é “apropriação cultural”, viu? É branqueamento! O feminismo jamais chegará aos pés das mulheres pretas que compõem o Panteão Afrikano! REFLITAM!

Finalizo dizendo que a história de mulheres pretas é muito maior, mais bonita, anterior e real que o feminismo (e isso precisa ser reconhecido por todas nós). Individualmente, cada mulher preta pode ser o que quiser. Mas por favor, sejamos historicamente coerentes. Não titulemos Yansã como feminista. Há quem queira enegrecer uma teoria européia, e isso é escolha. Mas por favor não tragam a europa pro Axé. Nossa história é muito maior do que qualquer teoria que a europa possa ter produzido (e que a gente queria enegrecer). Nossas ancestrais não merecem isso.

Fonte: https://pensamentosmulheristas.wordpress.com/2015/12/10/191/

No artigo a seguir, o professor Malik Simba, historiador da California State University, Fresno descreve sua odisseia profissional e pessoal que levou à escrita de seu livro, o marxismo negro e o constitucionalismo americano: do contexto colonial à ascendência de Barack Obama e o dilema de Black Lives Matter (terceira edição).

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Eu sou um historiador marxista. Uso a análise marxista, que argumenta que a luta de classes é a locomoção da história. Acredito que essa teoria facilita um entendimento crítico da Constituição americana e do sistema jurídico americano e é a análise que informa a redação do meu livro, Marxismo Negro e Constitucionalismo Americano: Do ​​Contexto Colonial à Ascendência de Barack Obama e do Dilema da matéria de vidas negras. Adoto a análise marxista porque acredito que ela responde melhor a questões críticas sobre a natureza da lei americana e o sistema judicial americano que afeta a vida de milhares de afro-americanos diariamente. Meu apoio à análise marxista evoluiu de minha própria leitura e estudo de textos marxistas e não marxistas sobre história, constitucionalismo americano e sistema judicial americano. Também cresceu a partir de uma série de experiências ao longo da minha vida que me levaram a questionar o compromisso do sistema jurídico americano de igual justiça para todos.

Eu sempre fui fascinado com o conceito de justiça e igualdade. Nasci em Lexington, Kentucky, na era da segregação racial aberta. Ainda me lembro da minha quando minha mãe ficava protetora perto de meus irmãos e de mim sempre que íamos ao centro da cidade, porque sabia que estaríamos sujeitos a agressão verbal por compradores brancos e donos de lojas. Quando nos mudamos para Denver, Colorado, em 1954, minha família entrou em uma cidade que supostamente havia evitado a discriminação racial e a violência que marcavam Kentucky e o resto do sul. No entanto, ainda me lembro vividamente do meu primeiro encontro com a polícia racista aos 12 anos de idade. Esse encontro foi intimidador e violento.

Enquanto brincávamos no beco atrás de nossa casa, meus amigos e eu explodimos fogos de artifício ilegais. De repente, um carro da polícia correu pelo beco. Enquanto eu corria pelo quintal de um vizinho, um dos policiais me viu e disse: “Pare ou vou atirar.” Eu imediatamente cumpri. Ele me arrastou de volta para o beco onde seu colega policial havia encontrado meus amigos. Ele e os outros oficiais nos alinharam contra uma cerca. Nesse ponto, ele me bateu no estômago enquanto gritava: “Não estou aqui para perseguir pequenos negros.” No que dizia respeito a ele, eu era culpado e ele usava justiça sumária para infligir punição imediata.

Meus anos no ensino médio também afetaram minha crescente consciência sobre raça, mas eles me apresentaram as contradições da classe também. Minha família morava na Race Street, em Denver, que na época era uma área de opções, o que significa que os alunos que moravam lá podiam frequentar a East High School, a “escola branca”, ou a Manuel Arts High School, a “escola negra”. Meus pais selecionaram East High School para seus filhos por causa de seus altos padrões acadêmicos. Desde que eu era um atleta de destaque, muitos de meus amigos do segundo grau sentiram que eu os traíra e à comunidade negra participando da East High, que incluía estudantes de algumas das áreas mais ricas da cidade. Minha mente lutou com a raça e a consciência de classe enquanto eu frequentava uma escola branca da classe alta enquanto vivia em um bairro negro da classe trabalhadora. Eu atravessei os dois mundos. No East High, desenvolvi relações estreitas com um grupo de amigos de várias origens. Nós nos denominamos “Nações Unidas”. Todos os meus amigos do bairro eram negros.

Abarcar a divisão racial e de classe era perigoso, especialmente quando era sobreposto à dinâmica de gênero que envolvia o namoro inter-racial. Em 1966, um homem negro que eu conhecia como atleta do ensino médio alguns anos antes, que acabara de voltar de uma turnê no Vietnã, levou sua namorada branca para um filme no centro de Denver. Enquanto assistia ao filme, um racista branco demente puxou uma arma e atirou na parte de trás da cabeça, matando-o instantaneamente. O atirador foi condenado a uma instituição psiquiátrica.

Frequentei a Universidade do Sul do Colorado entre 1968 e 1970, que correspondia ao ápice do movimento da potência negra. Ajudei a organizar a Associação de Ação Negra (BAA) em Pueblo, Colorado. Com o apoio do Chicanos for Action (CFA), ajudamos a desagregar vários negócios em Pueblo. Nossas atividades, no entanto, levaram a confrontos tensos com as autoridades do campus. Em 1969, os promotores dos Estados Unidos indiciaram catorze estudantes, inclusive eu, por violar a lei federal por incitar distúrbios no campus. Os Pueblo 14, como logo fomos chamados, foram defendidos por advogados jovens, idealistas e muitas vezes marxistas, recém-formados na faculdade de direito da UCLA. Eventualmente, após uma série de audiências no tribunal, todas as acusações foram retiradas. Qualquer que seja a lei específica violada, Estávamos convencidos de que nossa organização pela justiça racial era a verdadeira razão das acusações. Em 1970, eu suspeitava profundamente da lei e do sistema legal que nela se fundamentava. A lei pretendia defender a liberdade, a igualdade e a justiça, mas aparentemente foi usada para proteger os privilégios raciais e de classe. Eu não era marxista naquele momento, mas não é preciso ser marxista para entender as contradições entre lei e justiça.

Comecei meus estudos de graduação na Universidade de Minnesota, onde desenvolvi meu primeiro entendimento acadêmico de raça, direito e sociedade. Meu mentor, historiador jurídico Paul Murphy, me apresentou uma grande variedade de leituras na história constitucional inglesa e americana. Sua orientação me ajudou a entender que o constitucionalismo era mais dirigido pela classe social do que pela lógica. Lembro-me da observação de Lawrence Friedman em A History of American Law que law “. . . faz a licitação daqueles cujas mãos estão sob o controle ”das máquinas da lei. A bolsa de Leonard Levy revelou como o raciocínio judicial também era um produto do viés de classe e racial. Sua contra a lei: o Tribunal de Nixon e a justiça criminal, e Jefferson e as liberdades civis: o lado sombrio, ampliou minha receptividade a uma interpretação marxista do direito americano. No entanto, foi depois de ler Look Out Whitey, de Julius Lester , Black Power: ‘Get Your Mama’ que comecei a entender completamente o completo fracasso da lei como instrumento de justiça. A discussão de Lester sobre o racismo na história americana concluiu com sua crítica de como o federalismo impediu o FBI de proteger os trabalhadores dos direitos civis dos agentes racistas da polícia estadual no sul durante os anos 60 do movimento dos direitos civis. Foi uma acusação poderosa do sistema legal profundamente falho.

Na Universidade de Minnesota, também fui apresentado à vida de revolucionários marxistas dentro dos movimentos de libertação africana através de minhas aulas de história africana e latino-americana. Li trabalhos que aplicaram a análise marxista a vários períodos históricos, como How Europe Underdeveloped Africa, de Walter Rodney, e Capitalism and Slavery, de Eric Williams . Finalmente, li American Black Slave Revolts e outras obras de Herbert Aptheker, um dos principais historiadores marxistas dos Estados Unidos na época, um estudioso que, como seu mentor e inspiração, WEB DuBois, dedicou sua vida profissional à compreensão da raça. nos Estados Unidos.

A experiência pessoal, no entanto, continuou a me guiar para uma compreensão dos fundamentos teóricos do sistema de justiça. Na faculdade, lecionei na Urban League Street Academy, em St. Paul, Minnesota. A Street Academy fazia parte de uma rede nacional de instituições criadas para educar os jovens do centro da cidade, incluindo o abandono do ensino médio. Um dos meus alunos, um jovem músico promissor chamado Lennard Hill, ficou cara a cara com o sistema judicial quando, em 1974, foi acusado de estuprar uma mulher branca. Lennard declarou sua inocência e parecia haver evidências suficientes para absolvê-lo se seu caso fosse a julgamento. Eu acreditava na inocência dele, assim como a maioria dos alunos e professores da Street Academy. Organizamos uma campanha “Free Lennard Hill”, que pensávamos que pressionaria o sistema judiciário para garantir que esse jovem negro recebesse um julgamento justo. Organizamos grande parte da comunidade negra local da cidade em torno da campanha. No entanto, Lennard foi levado a julgamento, rapidamente condenado e sentenciado a cinco anos de prisão. Para muitos de nós, parecia que as leis de Minnesota e os funcionários que as administravam, a polícia, os promotores e os juízes trabalharam em oposição à justiça para os jovens do centro da cidade. Eu queria entender o porquê. Senti que havia encontrado a resposta na relação distorcida da raça e da classe social com a justiça. Quando deixei a Universidade de Minnesota, em 1976, com um Ph.D. na história, eu era um historiador marxista. Organizamos grande parte da comunidade negra local da cidade em torno da campanha. No entanto, Lennard foi levado a julgamento, rapidamente condenado e sentenciado a cinco anos de prisão. Para muitos de nós, parecia que as leis de Minnesota e os funcionários que as administravam, a polícia, os promotores e os juízes trabalharam em oposição à justiça para os jovens do centro da cidade. Eu queria entender o porquê. Senti que havia encontrado a resposta na relação distorcida da raça e da classe social com a justiça. Quando deixei a Universidade de Minnesota, em 1976, com um Ph.D. na história, eu era um historiador marxista. Organizamos grande parte da comunidade negra local da cidade em torno da campanha. No entanto, Lennard foi levado a julgamento, rapidamente condenado e sentenciado a cinco anos de prisão. Para muitos de nós, parecia que as leis de Minnesota e os funcionários que as administravam, a polícia, os promotores e os juízes trabalharam em oposição à justiça para os jovens do centro da cidade. Eu queria entender o porquê. Senti que havia encontrado a resposta na relação distorcida da raça e da classe social com a justiça. Quando deixei a Universidade de Minnesota, em 1976, com um Ph.D. na história, eu era um historiador marxista. a polícia, os promotores e os juízes trabalharam em oposição à justiça para os jovens do centro da cidade. Eu queria entender o porquê. Senti que havia encontrado a resposta na relação distorcida da raça e da classe social com a justiça. Quando deixei a Universidade de Minnesota, em 1976, com um Ph.D. na história, eu era um historiador marxista. a polícia, os promotores e os juízes trabalharam em oposição à justiça para os jovens do centro da cidade. Eu queria entender o porquê. Senti que havia encontrado a resposta na relação distorcida da raça e da classe social com a justiça. Quando deixei a Universidade de Minnesota, em 1976, com um Ph.D. na história, eu era um historiador marxista.

Minha evolução como estudioso jurídico marxista continuou depois que comecei minha carreira de professor na SUNY-Binghamton (hoje Universidade de Binghamton). Apesar das acusações usuais dos conservadores políticos de que as universidades são dirigidas por esquerdistas, os estudiosos marxistas nem sempre são bem-vindos, mesmo nas instituições mais progressistas do ensino superior. Felizmente, o professor que me contratou em Binghamton foi Cedric Robinson, autor do famoso trabalho Marxismo Negro.. Assim, tive um ambiente acadêmico favorável que me permitiu desenvolver meus pontos de vista. Eu li ansiosamente o trabalho de João Reis, o historiador marxista brasileiro da escravidão em seu país, que eu conhecera como colega de graduação em Minnesota. Sua pesquisa mudou a maneira como o mundo via a escravidão negra em seu país. Através de seu trabalho, bem como de nossas conversas anteriores como estudantes de graduação, desenvolvi uma compreensão mais sutil do materialismo dialético e das contradições inerentes às sociedades estratificadas de classe.

Em 1976, conheci John McClendon III, enquanto lecionava na SUNY-Binghamton. John estava em seu poder e lera todas as obras coletadas de Marx e Engels. Um dia, quando o apartamento acima de John inundou, corri para ajudá-lo a salvar sua coleção. Quando reformulamos os livros, comecei a emprestar e ler pela primeira vez as palavras reais que inspiravam um movimento global que havia mudado o mundo. John logo se tornaria meu melhor amigo e colega acadêmico mais próximo. Ele me ajudou a refinar e aplicar a teoria marxista ao meu pensamento e escrita. Enquanto estávamos em Binghamton, John e eu ingressamos no Comitê de Defesa de Robert Hooks, que apoiou um dos meus alunos acusado de matar dois homens brancos. Hooks alegou autodefesa e a polícia de Binghamton testemunhou em seu nome.

Meu estreito relacionamento com John e nossas longas discussões sobre a teoria marxista me guiaram no desenvolvimento dos principais temas do livro. Argumento que o direito funciona como uma ideologia e uma força de coerção. Como tal lei foi usada durante a fundação dos Estados Unidos na década de 1770 como um instrumento de domínio e domínio de classe. Além disso, o racismo era uma força cultural hegemônica que dirigia tanto a instituição da escravidão quanto o aparato legal que a apoiava. Mesmo depois que a escravidão foi destruída em 1865, a interpretação conservadora da lei da Suprema Corte dos EUA perpetuou e expandiu o racismo durante a era pós-Guerra Civil, levando a uma série de compromissos legais e políticos orquestrados pela reconciliação reacionária entre as classes dominantes do norte e do sul na virada. do século XX.

Em última análise, o marxismo negro e o constitucionalismo americano são uma tentativa, através da análise marxista, de retirar a máscara da lei e revelar como ela realmente funciona em uma sociedade baseada no capitalismo, apoiada pelo racismo. A lei racionaliza um falso senso de igualdade proibindo ostensivamente ricos e pobres de roubar pão, mas também permite sutilmente que, se o pão for roubado, é mais fácil ser culpado e rico do que inocente e pobre.

Fonte: https://www.blackpast.org/african-american-history/marxist-scholar-analyzes-american-american-legal-system/

Por Richard Seymour e Daniel Hartley,

via Revue Periode, traduzido por Ícaro Batista

Mesmo em suas interpretações as mais sofisticadas, o marxismo tem uma tendência de ler o racismo de forma instrumental. Tal ideologia é adotada por uma série de atores porque é consistente com certos interesses, porque consolida alguma forma de hegemonia, porque tem privilégios de brancos. Para o jornalista e pesquisador independente Richard Seymour, essas explicações são insuficientes. De uma carreira militante dentro da esquerda revolucionária, Seymour mostra nesta entrevista o quão ruim ele considera a tendência dos marxistas a racionalizarem excessivamente os comportamentos, por vezes mais irracionais, como linchamentos, formas racistas de violência em massa. Para enfrentar esse desafio teórico, ele convoca Poulantzas, Stuart Hall e até mesmo Lacan. Além, dessas preocupações, Seymour nos oferece aqui uma verdadeira lição de retificação, de autocrítica, para estar à altura da contrarrevolução preventiva das classes dominantes.


Daniel Hartley: Muitas vezes, quando os intelectuais são entrevistados – estou pensando em particular na recente série de entrevistas conduzidas por George Souvlis (ver Davis 2016, Eley 2016), cabe ao interrogador convidar o entrevistado para vincular sua pesquisa acadêmica a problemas políticos e estratégicos imediatos. Com você é o oposto. Se há uma coisa que caracteriza sua atividade intelectual, é essa capacidade de reagir instantaneamente a eventos históricos e políticos em constante mudança. Portanto, o propósito desta entrevista será levá-lo a desenvolver os aspectos mais teóricos do seu trabalho (tendo em mente, é claro, que suas respostas políticas imediatas são informadas pela teoria). Talvez você possa começar nos contando algumas palavras sobre seu treinamento teórico e político. Como você chegou ao marxismo e quais figuras intelectuais o influenciaram mais?

Richard Seymour: Minhas primeiras influências de formação marxista vêm da tradição internacional-socialista. É difícil para mim não dizer coisas ruins sobre essa tradição, considerando como terminou seu principal sucessor, o Partido dos Trabalhadores Socialistas Britânicos. E sempre fui muito duvidoso sobre o sentimentalismo com que alguns de seus apóstolos hoje dão conta de suas façanhas passadas. Mas é uma tradição que produz marxistas, o que não é insignificante.

Entrei para o SWP quando os princípios do Novo Trabalhismo entraram em vigor, em 1998, e imediatamente me envolvi em suas tradições teóricas. Mike Kidron e Chris Harman para Economia, Alex Callinicos para Filosofia Política, ou a Weltanschauung (“concepção do mundo”) de Tony Cliff (que era, estranhamente, sóbrio e nervoso). Existe certa ortodoxia trotskista que reivindicou um “Terceiro Campo”, vendo o movimento trabalhista como uma fonte potencialmente autônoma de democracia socialista, oposta tanto ao stalinismo quanto ao capitalismo hegemônico dos EUA. De certa forma, a ortodoxia do SWP não deveria ser “em qualquer campo”. A URSS era um capitalismo de Estado ditatorial cuja implosão era quase dada com antecedência, o “mundo livre” estava caminhando diretamente para a pior crise, a social-democracia se tornara um agente do capitalismo, líderes sindicais foram integrados no funcionamento adequado do sistema, e a única alternativa plausível estava na “base” da classe trabalhadora – exceto que essa base não mais existia. Não é de surpreender que, para um membro dessa tendência, a coisa mais esmagadora que poderia ser dita sobre alguém é que era “pessimista”, já que todo o edifício baseava-se na recusa de reconhecer a aniquilação completa das condições de possibilidade de uma política revolucionária.

Um segundo conjunto de influências vem do “marxismo político” de Ellen Wood e Robert Brenner. Ao ler “The Origin of Capitalism”, eu fiquei impressionado com o fato de que, além de ser convincente como tal, o livro evitou qualquer recurso teleológico e teve o prazer de enfatizar os elementos da contingência, de uma forma que os marxistas em geral não sabem. Meu interesse era tanto político quanto teórico. No contexto da “guerra ao terror” que ressuscitou a mitologia whiggista [liberal britânica] do império, era prioritário dissecar e frustrar as concepções progressistas da história. No nível teórico, apreciei os aspectos aleatórios do marxismo político. Parece-me que foi Freud quem disse que, acreditar na contingência indefinida para determinar nosso destino é mergulhar em uma forma de espiritismo. Bem, pode-se dizer que em certas formas de marxismo existe um tipo de espiritualismo deslocado. O desafio do marxismo político é restabelecer certas associações conotativas sobre as quais as variantes mais hegelianas do marxismo insistem – por exemplo, entre desenvolvimento urbano e capitalismo, ou entre democracia e capitalismo. A ideia de “democracia burguesa” em particular, está levantando as sobrancelhas dos “marxistas políticos”, porque eles acham que a burguesia nunca teve nada a ver com democracia. Foi, finalmente, um sintoma histérico a identificar-se com o marxismo político, que começava então a desafiar (de maneira relativamente saudável) a ortodoxia do SWP.

Finalmente, fui influenciado por diferentes teóricos marxistas que cada um à sua maneira insistiu na conjuntura e, especialmente, no papel estruturante da ideologia no posicionamento dos atores de classe e nos resultados de suas lutas: Althusser, Gramsci, Poulantzas, Stuart Hall e a escola de Birmingham. Isso fazia sentido porque eu estava trabalhando cada vez mais sobre a ideologia racista, e estava particularmente interessado no entendimento de que as idéias de raça e nacionalidade eram tão poderosas na Grã-Bretanha que as desilusões nascidas do Novo Trabalhismo não beneficiara a esquerda radical ou anticapitalista, mas principalmente a extrema direita. Foi o BNP [Partido Nacional Britânico] que finalmente reuniu quase um milhão de votos, enquanto nenhuma força de esquerda realmente emergiu. E foi então o UKIP [Partido da Independência do Reino Unido] que avançou após a crise de crédito, enquanto a extrema esquerda estava paralisada. Deve ter havido muitas coisas que estavam erradas em nosso pensamento para tornar as coisas tão ruins. Uma das coisas que achei erradas foi nossa relativa desatenção à ideologia, e a descoberta de Gramsci e Hall constituiu uma solução muito útil. Outro aspecto dizia respeito a nossa perfeita incompreensão das características neoliberais e a natureza dos estados modernos, algo que Althusser, e ainda mais Poulantzas, tinha a dizer. Poulantzas, ao contrário da maioria dos teóricos marxistas, não reificou o estado, o que lhe permitiu concebê-lo como a condensação de um equilíbrio de poder – isto é, um produto social. Isso não significa que possa ser dirigido a qualquer momento, não importa em qual direção, porque a estrutura formal do Estado capitalista sempre decide em favor da reprodução do capital. Mas, para dar alguns exemplos, as lutas pela democracia, saúde, proteção social, educação pública, direitos sindicais, o serviço público, etc., são todas as lutas lideradas pela esquerda, tanto dentro como contra o estado capitalista.

DH: Em sua dissertação de doutorado, “O anticomunismo e a defesa da supremacia branca no sul dos Estados Unidos durante a Guerra Fria” [Cold War Anticommunism and the Defence of White Supremacy in the Southern United States (2016)] você mostra que o anticomunismo era um “projeto hegemônico”, cuja concepção exclusiva da americanidade. “Reforçou o papel das leis do sul, Jim Crow, na nação americana”. Você pode desenvolver as principais linhas deste argumento? Como as diferentes escalas – internacional, nacional e regional – da situação da guerra fria convergem e sobredeterminam o projeto hegemônico anticomunista no sul dos Estados Unidos entre 1945 e 1965?

RS: Essa “convergência de escalas” deve nos lembrar que o termo anticomunismo não corresponde a um único processo ou prática. Em cada nível – internacional, nacional e regional – o anticomunismo tem um significado diferente. Mas, o que é comum em todos os três níveis é que o anticomunismo surge como uma maneira de administrar um período de transição, um período durante o qual a autoridade tradicional, as relações políticas e as formas de produção estão em crise.

No cenário internacional, em um sentido amplo, a forma colonial de supremacia do mundo branco está entrando em colapso e o anticomunismo está moldando intervenções sob a liderança dos EUA, visando derrotar aqueles que se opõem a essa supremacia, enquanto conservando e reformando. No nível nacional, faz parte de um processo que conclui o período de reformas liberais iniciado na década de 1930, formalizando suas realizações ao mesmo tempo em que desmantelava as coalizões populares lideradas pelo PCUSA, entre as quais fazia parte o Partido Comunista dos Estados Unidos da América. Formas nascentes de organização dos direitos civis em que os comunistas desempenharam um papel importante, não redutível às “ordens de Moscou”. A influência dos políticos do sul, geralmente da classe de plantadores e capitalistas têxteis na Casa do HUAC [Comitê de Atividades Não americanas da Câmara, “Comissão Parlamentar de Atividades Antiamericanas”] e SISS [Subcomissão de Segurança Interna do Senado, “Subcomissão do Senado de Segurança Interna” [1]] é primordial. É tanto mais assim depois da queda de McCarthy e do declínio do anticomunismo anterior a 1956.

O período de degelo depois de 1956, bem como a decisão da Suprema Corte de gradualmente desmantelar a segregação na educação através do julgamento “Brown contra o Bureau de Educação” [2] (que faz parte de uma série de cancelamentos pelo Supremo Tribunal de disposições legais anticomunistas), tornaram o papel do Sul no anticomunismo ainda mais importante. Em primeiro lugar, os aparatos investigativos federais mudarão de foco, acabando por assediar o Partido Comunista ao investigar os ativistas dos direitos civis, uma nova geração dos quais estava experimentando um repertório de táticas e novas ações. A decomposição do antigo sistema geoeconômico do sul baseado nas relações de poder rural, urbanização e industrialização no Sul está levando milhões de negros a novas formas de subjetividade coletiva, levar à criação de novas igrejas negras mais radicais e aumentar as fileiras de uma classe média negra com recursos e algum grau de acesso ao estado que lhe permitem apoiar formas de militâncias com sucesso moderado e medidas legais progressivas – o que já era demais para os segregacionistas. E assim o anticomunismo tornou-se a base de uma súbita contra-insurgência no sul. Senador James Eastland, um rico agricultor do Mississippi ligado ao conselho de cidadãos brancos [3] e outros tipos de associações segregacionistas. Ele usou sua posição no SISS para regularmente aterrorizar os ativistas negros dos direitos civis, na esperança de extrair deles confissões de simpatia e agitação comunista. Mas o mais importante é que os estados do sul tomaram um rumo legal radical nessa época, muitas vezes constituindo suas próprias versões locais do HUAC, na forma de “Comissões pela Soberania do Estado”. Eles eram ainda mais secretos mais aterrorizantes e mais comprometidos com organizações da sociedade civil, como os Conselhos de Cidadãos. Eles geram expurgos dentro da Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor (NAACP) e, em estreita associação com os procuradores-gerais, perseguida e assediada professores e sindicalistas de esquerda. Isso funcionou aproximadamente até 1960, até que as autoridades federais realmente demonstraram que os estados locais não tinham capacidade para enfrentá-los.

Com isso, o fator internacional entrou em cena de forma inédita: o sucesso da descolonização interrompeu o confronto frenético, bem como já está aquecendo, a guerra fria, e inaugura um novo imaginário político. Também colocou uma nova pressão sobre o poder federal, ligado ao capital monopolista fordista, para lidar de alguma forma com a crise no sul. Os atores dos direitos civis exploraram o cisma nascente entre as frações do sul da classe dominante e do bloco nacional dominante, tanto quanto as tensões emergentes entre formas de hegemonia interna e formas de hegemonia internacional. A partir desta breve visão geral, vemos como a “estrutura de oportunidades políticas” que os atores dos direitos civis foram finalmente capazes de aproveitar foi produzida e estruturada por crises transitórias ocorrendo em diferentes níveis de produção, representação e política.

DH: Você escreve que o “conceito mestre” de sua tese é o de “hegemonia” gramsciana. Por que a hegemonia se coloca mais especificamente a uma análise da complexa relação entre o anticomunismo e a supremacia branca no sul dos Estados Unidos durante a Guerra Fria? O que distingue esta abordagem de outras? Por outro lado, como suas descobertas alteram ou modificam nossa compreensão do conceito de hegemonia em si?

RS: A hegemonia nunca esteve próxima de um estado concreto de coisas, um processo, um conjunto de práticas voltadas para esse estado de coisas como meta, como é nos Estados Unidos do pós-guerra. Não apenas a classe dominante governou, mas foi um guia. Ele expressou uma missão histórica, uma causa moral – para combater o comunismo, e defender “o mundo livre” que agregou um amplo consentimento popular, para a exclusão de uma minoria combativa, mas dispersa e facilmente controlável.

As classes dominantes do Sul naturalmente se beneficiaram dessa situação, mesmo que permanecessem subordinadas ao bloco nacional dominante. Mas de que maneira? Uma maneira de abordar o problema é perguntar por que eles basicamente optaram pela caça ao vermelho. A supremacia branca não era suficiente? A maioria dos historiadores parece compartilhar da ideia de que o anticomunismo era um elemento necessário para aliar os habitantes do sul ao redor do programa de resistência maciça [4], e drenar todas as organizações políticas e culturais dos estados do sul para a direita. Deixando de lado a questão sobre se a Massive Resistance foi uma boa ideia – acho que foi menos eficaz que a estratégia de “segregação pragmática” que prevalecerá depois de 1960 – é extremamente interessante notar que seu anúncio dizia coisas como “a mistura de raças é comunismo” em vez de pedir “defender a supremacia e integridade da raça branca”.

A ideia de hegemonia nos permite compreender a dimensão estratégica disso, e também nos permite vislumbrar que tais slogans podem ser psicologicamente eficazes se gerarem apoio e adesão. Isso nos permite entender como essas ideologias se materializam em rituais de terror e violência (sejam nas interrogações ritualizadas do aparato estatal, ataques difamatórios da mídia, o terrorismo dos conselhos de cidadãos, os assassinatos da Ku Klux Klan ou outras coisas). No passado, a categoria de hegemonia foi reduzida erroneamente ao problema do “consentimento”. De fato, como Peter Thomas mostrou, a hegemonia consiste em combinações específicas de forças físicas e simbólicas, incorporações específicas – violentas ou não – de ideologias morais e políticas de governo. O que nos impressiona quando olhamos para o terror anticomunista é a maneira pela qual seu ancoradouro popular permitiu que ele se espalhasse nas instituições da sociedade civil, que se infiltrasse nos locais de trabalho, nos sindicatos, no tecido cultural etc. Nunca teria sido tão eficaz se as pessoas não tivessem denunciado, traído e rejeitado os esquerdistas. Se você tomar o terror da supremacia branca no Sul, algo semelhante se aplica. Tudo o que era necessário era uma infração mínima dos códigos complexos e esmagadores da civilidade racial para desencadear explosões ultrajantes de violência popular, linchamentos, geralmente apoiado pelo poder do Estado. Em ambos os casos, o consentimento passou pela violência e vice-versa, por isso não foi apenas um caso de bloqueio no poder defendendo seus interesses organizando o poder estatal: era “sociedade” como um do que alguém que se defendia contra o que ela percebia como uma ameaça existencial. Está muito mais próximo do que a hegemonia capitalista está em seu funcionamento atual do que de uma interiorização persuasiva e consensual pura.

Claro, há algo que a categoria de hegemonia não permite é ir além, situando a dimensão subjetiva disso. Para apreender o significado subjetivo do anticomunismo da supremacia branca, volto-me para Lacan e para a leitura dos sintomas.

DH: A conjuntura teórica contemporânea é marcada por uma série de tentativas de redescobrir, reconceitualizar ou (re) inventar uma compreensão marxista da raça: do trabalho de Karen E. Fields e Barbara J. Fields sobre a “fábrica de corrida” nos Estados Unidos para as de Houria Bouteldja e SadriKhiari sobre as corridas sociais na França, incluindo a reconceitualização proposta por SatnamVirdee da história da a classe trabalhadora Inglês” do ponto de vista do “pária racializado”. Como você situaria seu próprio trabalho nesse campo e o que distingue o racismo contemporâneo de seus antecessores históricos?

RS: Nasci politicamente em uma era de nostalgia pelo império – as fantasias da onipotência global constituindo uma importante resposta cultural aos ataques de 11 de setembro. Soma-se a isso o ressurgimento de ideias spenglerianas ou Pearsonianas [5] sobre “o Ocidente”, sua superioridade moral e civilizacional e sua crise existencial – e, é claro, o Outro Islâmico. Subscrever tudo isso era uma metafísica racial que, por não se referir à raça como entidade biológica, poderia negar seu próprio racismo.

A novidade aqui foi, portanto, a rejeição energética da categoria da raça. O racismo contemporâneo é uma estupidez que não se atreve a dizer o seu nome. “O Islã não é raça”, disseram os árbitros do racismo. Era verdade, claro, mas fazia pouca diferença para aqueles que eram vítimas de vigilância, assédio, aprisionamento, perseguição e “extradição extraordinária” [6] como se fossem uma corrida. E se o Islã aparentemente não era uma raça, então você deveria se perguntar o que é uma corrida. As teses do orientalismo de Said eram preciosas porque permitiam entender que o “Islã” de que estávamos falando, esse “Islã” que se tornara objeto de conhecimento – um islamismo monolítico, com sua própria consistência interna, etc. – não teve nada a ver com as práticas reais dos muçulmanos.

Mas obviamente, o ângulo do colonialismo e do império não era de todo adequado para entender a raça; era uma questão de apreender a dinâmica “doméstica”, os aspectos cotidianos da sociedade capitalista que são organizados por raça e que se prestam à simbolização racista. Isso foi particularmente importante para entender a direção da política na Grã-Bretanha, especialmente depois da crise de crédito. A “questão islâmica” foi reconfigurada como um momento em uma história mais ampla, a dos danos sofridos pelos britânicos brancos. As trajetórias de classe, as formas de declínio regional, as crises nas relações de gênero e as estruturas da família, a evolução dos modos de socialização, tudo isso foi refletido através da raça. Como você pode imaginar, eu tendo a estar mais interessado em trabalhos que capturem as conexões entre raça e outros níveis de realidade social em um estilo gramsciano. Não apenas Stuart Hall e a Escola de Birmingham, mas também a teoria da “formação racial” de Omi e Winant, apesar de suas limitações políticas.

DH: O conceito de hegemonia, como o seu próprio trabalho sociológico e as recentes análises filológicas de Peter Thomas (2009) deixam claro, implica uma concepção mais ampla do estado – o que Gramsci chama de “estado integral”. Entre os herdeiros críticos mais proeminentes dessa teoria estão Louis Althusser e Nicos Poulantzas. Desde o primeiro você escreveu que: “de certa forma o “materialismo aleatório”que eu acho que é característico de seu trabalho, e mais particularmente os conceitos de” sobredeterminação “e” contradição “, teve um papel formativo no meu caminho de interpretar situações (Seymour 2016: 26); da mesma forma, você disse de Poulantzas que “considera [seu] trabalho sobre o estado nunca igualado dentro da tradição marxista” (25). Você pode nos contar um pouco mais sobre a importância desses dois teóricos para o seu trabalho?

RS: Bem, acho que os leitores da sobre a reprodução [do capitalismo] vão concordar, Althusser é, quando se trata do estado, menos althusseriano do que Poulantzas. Este texto é de fato surpreendentemente próximo a Pachoukanis em sua concepção da lei, na medida em que Althusser finalmente situa a base da forma legal na forma de mercadoria. (embora eu ache que ele estava mais interessado no teórico da lei kantiana, Hans Kelsen). A abordagem de Poulantzas em O Estado, Poder, Socialismo parece oferecer uma explicação real da sobredeterminação e da relativa autonomia da lei.

Isto é levado em conta com o fato de que Althusser continua a usar uma expressão idiomática associada à “hipótese repressiva” – que não aparece como “mera coqueteria”
– me faz dizer que, nessa questão, ele estava na posição que ele próprio atribui a Marx, tentando desenvolver suas descobertas “científicas” em uma linguagem “ideológica” emprestada do outro lado. Também me pergunto até que ponto seus escritos sobre o estado e a lei são sintomáticos do deslocamento, neste caso a tentativa de analisar a natureza de classe da URSS. Em suma, o que Poulantzas fez, na minha opinião, foi tomar uma estrutura de análise althusseriana enquanto conduzia um diálogo cada vez mais frutífero com Gramsci. (mas também com Foucault, a escola da “lógica do capital”, etc.), e aplicar tudo isso à resolução de problemas estratégicos concretos.

Entre parênteses, você notará a profunda ambivalência de Poulantzas sobre o estado. Por um lado, ele quer desmistificar o Estado, considerá-lo como um produto da atividade humana como qualquer outro fenômeno social, e ele ordena à esquerda que pare de fetichizar. Ou, o que constitui o outro lado da mesma moeda, adotar uma atitude noli me tangere, de incorruptibilidade em relação a ela – como se não estivéssemos todos já no Estado). Por outro lado, a própria ideia do Estado é para ele uma verdadeira “fortaleza kafkiana” ao mesmo tempo cativante e aterrorizante, que materializa a lógica da colônia prisional de Kafka, a Grundnorm do “totalitarismo” e assim por diante.

Eu não acho que isso seja apenas poesia heurística. Poulantzas descreve os “mecanismos do medo”, os rituais e a teatralidade do poder do Estado, sem os quais é difícil entender muito do que o estado capitalista faz. – Estou pensando, é claro, no HUAC e no SISS. Isso atesta o fato de que existe uma dimensão de ação estatal, lei etc. – o seu erotismo – que ele não é realmente capaz de explicar em termos teóricos, e que ele procura oportunamente um ponto de partida na literatura.

Com o crescente sucesso de um novo direito autoritário e estatista, baseado no espetáculo do sadismo e da punição (um espetáculo elaborado pelo neoliberalismo – Trump era uma estrela da realidade antes de ser eleito presidente), estou cada vez mais inclinado a pensar que também precisamos explicar a mística da ideia de estado em termos psicanalíticos.

DH: Quais você acha que são os principais elementos de uma teoria marxista dos movimentos sociais? O que distingue sua própria análise da literatura de “estudos de movimentos sociais em geral”? Você pode ilustrar sua resposta referindo-se ao seu trabalho sobre o movimento supremacista branco “Massive Resistance” no sul dos Estados Unidos durante a Guerra Fria, e – em outra conjuntura – os recentes apelos para transformar o trabalho de Corbyn em um “movimento social”?

RS: Em minha tese, tento identificar alguns pontos de partida para uma teoria marxista dos movimentos sociais, em grande parte porque não há teoria dos movimentos sociais. Quase toda essa “teoria” é descritiva e baseada na reificação – precisamente porque trata o movimento social como um fato consumado que precisa ser explicado. Fui influenciado pela reinterpretação de Peter Bratsis da teoria do estado de Poulantzas por meio de uma exegese do trabalho de Gaston Bachelard, em chamas [7], que me impressionou por sua interpretação muito inteligente de não apenas Estado, mas de reificação como tal. Pareceu-me que havia um obstáculo epistemológico central para a compreensão dos movimentos e dos Estados.

Um dos problemas da teoria dos movimentos sociais é que ela gasta seu tempo tentando identificar uma série de características uniformes dos movimentos sociais que podem formar a base de uma teoria. O resultado é bastante nebuloso: eles têm que durar (embora ninguém saiba quanto tempo), envolver uma atividade não institucional (embora isto seja particularmente vago), visar a transformação ou a preservação de algo (que basicamente define qualquer atividade política), etc. Quando uma campanha se torna um movimento social? Qual é a diferença – se houver – entre um movimento e um grupo de interesse? Não está claro. Que tipo de teoria pode fluir disso?

Seguindo os passos de Bratsis, eu disse a mim mesmo: e se partirmos do fato de que um movimento não é uma substância homogênea ou um assunto em si mesmo, mas um resultado ou um processo? Em vez de tentar identificar características para ver se elas podem ser funcionalmente relacionadas a outras, faz mais sentido começar com os dados. Eu penso que um método marxista partiria das relações sociais como uma unidade de análise fundamental. Eu começaria com o modo como as relações sociais são organizadas dentro de um modo particular de produção em torno da exploração e da opressão, e são, portanto, sobredeterminadas pelo antagonismo e pela luta. Isso equivale a examinar como essas relações devem ser reproduzida ao longo do tempo de forma ampla e aberta, em parte por meio de lutas.

Ao confiar em tal perspectiva relacional e processual, é possível identificar as condições sob as quais um movimento social pode emergir. Suponhamos que a reprodução de uma dada relação social tenha sido questionada e que classes ou grupos sociais antagônicos tenham entrado em conflito aberto (embora super-determinado), ativando o potencial ao qual estão ligados, atraindo outras classes para eles, ou grupos sociais. Como a reprodução é um problema político, pode-se presumir que esse movimento se referirá ao poder do Estado (a ideia de um movimento totalmente “não institucional” é um mito liberal que os próprios liberais não acreditam). ; e como um movimento é necessariamente organizado em um contexto espacial, ele terá uma geografia, um tipo de configuração própria (o Civil Rights era um movimento das grandes cidades, o massivo movimento de resistência do Delta rural). Estas são apenas coordenadas, princípios de investigação para ajudar na análise concreta de situações concretas.

Uma consequência desse modo de ver as coisas é que é preciso se perguntar sobre aqueles que dizem querer “construir” um movimento social, ou “criar” um, ou transformar um partido em um movimento. Isso parece bom porque os movimentos parecem, ao contrário dos partidos, emancipados (mesmo que não sejam) dos males e armadilhas do poder do Estado. Mas não podemos decretar a existência de um movimento, nem podemos planejar uma queda na taxa de lucro. Faz mais sentido falar sobre o que você pode fazer – se você está em uma festa ou se está envolvido em uma campanha ou qualquer outra coisa – isso é dizer organize a classe – ou “os 99%” se preferir a interpelação populista.

DH: Uma das marcas registradas do trabalho de Stuart Hall, como muitos de seus colegas e contemporâneos do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos, foi essa capacidade de combinar forte análise empírica com uma teoria extremamente sofisticada e diferenciada. Sem dúvida, essa abordagem chegou à sua apoteose na análise de Thatcher e do populismo autoritário feita por Hall. Em um de seus estudos recentes sobre políticas de “austeridade”, você escreve que “[se] quiser começar a entender o que aconteceu, precisa voltar e ler Stuart Hall. Você deve ler Policing the crisis e o artigo “The Great Moving Right Show”. Embora se pense nas opções políticas concretas que eram dele, Hall soube captar a magnitude do projeto transformador dos neoliberais, o fato de ser uma tentativa global de construir uma nova hegemonia que operaria tanto no nível da cultura, ideologia e técnicas de governamentalidade, apenas no nível das lutas de classe na indústria e nas privatizações “(Seymour, 2013)”. Você pode dizer uma palavra sobre a importância do trabalho de Hall – ou a escola de Birmingham em geral – sobre o seu? Quais são as especificidades dessa abordagem teórica, quais são seus pontos fortes e limitações?

RS: É impossível fazer justiça à escola de Birmingham porque revolucionou a análise de raça e cultura na Grã-Bretanha, praticamente inventou a disciplina de estudos culturais (e assim tornou visível toda uma série de coisas que não estavam) e colocaram essas questões de volta na agenda dos marxistas obtusos de todos os tipos. Mesmo hoje, se você ensina estudos raciais, é difícil se afastar da órbita desses pensadores, pois eles são essenciais. Qualquer um que não fala sobre raça sacrifica sua probidade em classe.

Fico, no entanto, impressionado com o fato de que o Policiamento da crise e os textos da época fossem todos exames particularmente urgentes de situações concretas, da conjuntura. Eles eram, talvez por esse motivo, ricos o suficiente teoricamente. Os temas gramscianos dominavam, mas a Escola renovava constantemente seu arsenal teórico ao frequentar o feminismo, Foucault, Derrida, a Teoria da Tela e tudo o que poderia ser requisitado para a análise E isso deu a mais extraordinária representação do poder do Estado, a crise e aquele direito insurgente que estava prestes a tomar as coisas em suas próprias mãos. Eles descreveram com grande clarividência um modo emergente de dominação que, no momento em que comecei a ler suas obras, entrou em crise.

Pessoalmente, também fiquei alarmado com os dogmas ineficazes da extrema esquerda em resposta à crise capitalista, observando o fracasso de nossas previsões, registrando a esterilidade de nossas estratégias apoiadas por premissas econômicas, e fiquei muito feliz ao ler sobre “O grande show de direita em movimento” e seu implacável ataque frontal do que era então o catecismo da extrema esquerda. Foi um salto à frente de vários anos-luz.

É claro que é fácil e concordamos em rejeitar tudo isso com base no fato de que acabou quando terminou – no que diz respeito a Hall e seus marxistas. Hoje eles foram do Kinnockismo ao nascente Blairismo e finalmente afundaram. Em desilusão, uma vez que Blair foi ao poder.

Minha impressão do caso de Hall é que, talvez por causa de sua leitura particular de Gramsci, e apesar dos avanços teóricos que ele fez, ele tenha feito parte dessa tendência de reduzir as práticas hegemônicas a seu aspecto consensual. Discursivo, sendo muito menos atento ao outro aspecto, o da força pura e simples. Penso que a sua subestimação da importância da greve dos mineiros de 1984-85, bem como a sua sobrestimação da “soft left” [8] de Neil Kinnock, não estão desvinculados disso. Ele superestimou a força persuasiva do Thatcherismo e, por essa razão, colocou muita ênfase na busca de simpatizar e negociar com os elementos progressistas presentes em suas raízes culturais. Isso resultou em uma espécie de derrota contraproducente, na medida em que significou abrir mão de um terreno ideológico que não precisava ser ao mesmo tempo em que prestava pouca atenção à guerra de movimentos que se desdobrava nas indústrias chaves.

Mas depois de anos corrigindo a social-democracia, eviscerando culturas e organizações de esquerda, o longo declínio dos sindicatos, a crescente mediação das relações sociais pelo mercado ou mecanismos de mercado, e a transformação da cultura popular em um ethos competitivo, a situação era muito diferente. Confrontados com a era da austeridade, precisávamos de linguagem para abordar situações políticas em que os conflitos não eram mais estruturados principalmente em torno de indústrias e locais de trabalho, e onde havia de fato um reservatório de consentimento. Ampla e confusa para algumas das leis mais nocivas e perversas. Em primeiro lugar, a crescente articulação do neoliberalismo com o racismo nacionalista nos últimos anos finalmente gerou uma renovação fascista genuína, embora embrionária. – dos quais encontramos elementos na campanha de Trump, na base de Faragisme [9], e branca em toda a Europa. Precisamos saber como esse terreno ideológico e político se formou. Devemos nos engajar na análise da conjuntura e sua relação com a estrutura. E é aí que a escola de Birmingham é preciosa.

DH: Tenho a sensação de que a maioria de seus escritos é informada por um duplo impulso: tornar múltiplo, contraditório e complexo o que se apresenta ao pensamento como homogêneo e simplista (seja raça, estado, gênero ou conjunturas inteiras), e considerar essa contradição e complexidade a partir da perspectiva das múltiplas – e igualmente contraditórias – subjetivações que elas autorizam ou impõem. Seus textos recentes em particular parecem tender a um diálogo mais sustentado com a psicanálise e o trabalho de Jacques Lacan. Qual é a importância teórica da psicanálise para o marxismo, e como ela tem conduzido seu trabalho?

RS: Referi-me em minhas respostas anteriores a alguns dos problemas que me levaram à psicanálise. Mas eu acrescentaria que parte de mim estava tentando resistir ao estilo de análise do “núcleo racional”, a olhar para o “núcleo irracional”. Existe em toda a teoria, incluindo o marxismo, uma tendência racionalizadora: a vontade de “dar sentido” às coisas. Uma das virtudes da psicanálise em seu melhor é que ela se adapta facilmente ao absurdo por certo período de tempo – não passa imediatamente para a produção de significado. E quando você tem pessoas batendo em mexicanos, poloneses, ou se comportando politicamente de uma forma que parece profundamente prejudicial, mesmo para si mesmos, é tentador tentar racionalizar e se mover rapidamente para soluções. Dizer “Ah, eles estão fazendo isso por causa da insegurança econômica” ou “eles fazem isso porque a mídia os informa mal sobre as causas reais de sua situação”. Às vezes vale a pena olhar para o absurdo antes de resolver problemas.

Busco através do meu trabalho uma maneira de entender por que, além do aspecto instrumental, os supremacistas brancos usavam a linguagem do anticomunismo. Eu pensei que seria injustificável achatar o assunto para negligenciar o seu significado psicológico em sua extensão máxima. Por exemplo, se eu tivesse acabado de dizer, “eles usam o anticomunismo porque é mais popular que a supremacia branca, muito explícita e direta, e é uma ferramenta melhor para a mobilização”. Eu teria dado uma história muito pobre e apenas parcialmente verdadeira.

Mas o problema metodológico que eu estava enfrentando era: como eu deveria entender a subjetividade das pessoas com as quais eu não conseguia nem falar porque a maioria delas morreu hoje?

Mesmo que eu fosse capaz de falar com eles, o que eu teria sido capaz de dizer? De acordo com o conceito weberiano de Verstehen [“compreensão”], sabemos o suficiente sobre os outros para poder simpatizar com ele e compreender os significados de seu comportamento. Mas é precisamente o problema da “compreensão”, para dizê-lo em termos lacanianos: muitas vezes, quando “entendemos” os outros, apenas projetamos nossos próprios pensamentos sobre eles. É um discurso que se realiza no que Lacan chamou de Imaginário, um discurso que age como um espelho. Em outras palavras, encontramos apenas os significados que fazem sentido para nós, que correspondem ao nosso senso de realidades presentes. Assim, estamos inclinados a ignorar e negligenciar o que não podemos entender.

A psicanálise lacaniana está resistindo ultimamente a essa tendência. O conselho de Lacan para os psicanalistas, não procurando compreender cedo demais, baseou-se na intuição de que “compreensão” poderia ser apenas uma contratransferência – isto é, uma resistência do analista para análise. E o teórico social não é menos suscetível a essa resistência, não menos propenso a querer evitar verdades difíceis, nem menos encantado com a atração da inteligibilidade. Mas tudo isso nos deixa com a questão do que devemos fazer, se não tentar entender. No contexto analítico, supõe-se que o analista exerça uma atenção flutuante, para observar as falhas no sentido, os lugares onde o ego não apaga mais eficazmente seus traços, onde há uma ruptura no curso subterrâneo do significado – o erro, a má articulação, a piada, o disparate, todas as formações de compromisso entre a intenção consciente do sujeito e o reprimido.

Uma vez alcançado o que Lacan chama de “a palavra completa”, o discurso se torna algo diferente de um espelho: o registro imaginário dá lugar ao registro simbólico. Aqui o analista presta atenção às propriedades materiais e formais da linguagem: o que você realmente diz não o que você “quer dizer”.

Bem, esta abordagem tem algumas vantagens. É uma hermenêutica de suspeita, mas significa assumir total responsabilidade pelo povo. É uma abordagem interpretativa, mas sua interpretação é baseada nas propriedades lógicas dos enunciados, ao invés de buscar inferir um significado a partir de índices externos.

Ela está interessada em significado subjetivo, mas, ao mesmo tempo, a linguagem é uma propriedade pública, coletiva, a parede de ferro entre “o indivíduo” e a sociedade, entre “o interior” e “o lado de fora”, é problematizado. Portanto, foi possível extrair certos princípios de interpretação, diretrizes e o contexto estritamente clínico no qual a teoria de Lacan foi desenvolvida – e isso deu a análise do discurso de Lacan. Os marxistas tiveram dificuldade em explicar e teorizar adequadamente o assunto, porque o marxismo é uma teoria das relações entre diferentes níveis e estruturas da realidade social, não uma teoria da subjetividade. E eu simplesmente acrescentaria que a psicanálise produziu avanços revolucionários neste campo, inigualáveis e potencialmente subversivos, que os marxistas devem levar a sério.

DH: Para finalizar, gostaria de perguntar sobre a escrita em si. Há uma insistência entre alguns pensadores marxistas, que ocasionalmente (mas nem sempre) anda de mãos dadas com o filistinismo residual, sobre a urgente necessidade política de um “estilo simples”. A ironia é claro, é que a prosa simples é ideologicamente muito ambígua – com um legado de inclinação protestante, empirista, variando de Francis Bacon e Thomas Pratt a George Orwell. Por outro lado, você demonstra em seu trabalho um senso óbvio das alegrias e prazeres da escrita. Como você entende a relação entre estilo e política?

RS: Oscar Wilde disse a um dos seus personagens: “Ser natural é também uma pose e a mais irritante que eu conheço. “

Sinto um pouco mais de simpatia pelo naturalismo, pois ele está ciente de seu ismo, de seu artifício. Pessoas que escrevem em um “estilo simples” às vezes podem ser extraordinariamente eficazes. Se eles estão conscientes de que esta é apenas uma forma literária entre outros com – para usar suas palavras – suas próprias “alegrias e prazeres”.

Até mesmo contar uma história, do começo ao fim, é um artifício. Histórias nunca acontecem dessa maneira, elas não têm um começo natural, e o trabalho “completo” é uma forma ideológica. Explicar as coisas pura e simplesmente ainda é uma mentira. Como Oscar Wilde disse uma vez, a verdade raramente é pura e nunca é simples. Na maioria das vezes, dificilmente faz sentido.

Escrever é um artifício em sua essência; é uma arte de encarnação, o que dá a ser uma forma física.

“Colocar em palavras” significa dar forma à existência, e não existe um pai todo-poderoso, um Grande Outro ou alguém para garantir a superioridade de uma forma sobre outra.

Ainda assim, a metafísica subjacente dos zeladores do “estilo simples” é a de uma escrita que é uma “janela para a realidade”, onde o assunto é cuidadosamente excluído – e é isso que ensinamos tão miseravelmente a tantas pessoas. Em seu excelente livro sobre a escrita, Getting Restless, Nancy Welsh protesta contra o conselho dado aos alunos de apagar seu próprio papel na escrita do conhecimento. “Não é sobre você, não fale sobre você.”

À esquerda, isso se deve a um puritanismo mal digerido e a uma forma de anti-intelectualismo “operário” (anti-obreiro por seu paternalismo). Há quase uma sensação de vergonha sobre o excesso intrínseco da escrita, uma vez que nunca é redutível à comunicação, sempre produz efeitos que não esse conhecimento. Palavras são objetos estéticos, objetos eróticos, e isso gera uma espécie de fobia em alguns componentes da esquerda. E eu suspeito de uma forma de agressão para o leitor entre as pessoas da esquerda que escrevem neste “estilo simples”, um desejo de irritar e intimidar o leitor o máximo possível – eu sofri com meu próprio esforço de divulgação, agora é a sua vez.

Essa abordagem nos dá o pior dos dois mundos. As pessoas, logo que subscrevem a idéia de que alguém pode sair de seus escritos, tornam-se autores ruins, falantes. Eles se tornam maus autores porque a escrita se torna um meio de repressão entre outros, em vez de um meio de sublimação; transformada em um processo sem alegria, a escrita também assume uma função de culpa, as pessoas não conseguem entender por que elas são tão medíocres para escrever. Eles se tornam falantes na medida em que a versão da realidade que eles apresentam parece fora de um olho divino, uma espécie de Buda indesejado.

Uma política radical deve ser, no mínimo, radicalmente desnaturalizadora. Deve-se destacar a arte da vida, o fato de que produzimos e moldamos o mundo em que vivemos, mesmo que seja em circunstâncias e com materiais que não escolhemos.


Notas:

1. HUAC e SISS tinham a missão de realizar investigações anti-comunistas (N.d.T.).

2. 1] O “Brown v. Conselho de Educação “, emitido em 17 de maio de 1954 pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos, declara a segregação racial em escolas públicas inconstitucional (Nd.T.).

3. Organização de supremacia branca criada em 1954 no Mississipi, uma espécie de vitrine legalizada da Ku Klux Klan (N.d.T.).

4. A estratégia de resistência maciça foi desenvolvida por deputados e senadores da Virgínia para unir os políticos brancos em torno de uma campanha para impedir a desagregação através da educação pública (Nd.T.)

5. Oswald Spengler (1880-1936) é um filósofo alemão. Sua obra principal, The Decline of the West, lhe rendeu uma celebridade mundial. Charles Henry Pearson (1830-1894) é um historiador e político nascido na Austrália nascido no Reino Unido. Seu livro Vida Nacional e Caráter: Previsão, que prevê o declínio dos ocidentais contra os asiáticos e especialmente a China, está fazendo um grande barulho nos círculos intelectuais anglo-saxônicos. Este livro teve uma grande influência sobre os proponentes do fortalecimento da política da Austrália Branca (N.d.T.).

6. “Extraordinary rendition” em inglês: o termo “rendição” refere-se ao ato de transferir um prisioneiro de um país para outro fora da estrutura judicial, inclusive fora dos procedimentos normais de extradição. Quando o sujeito é removido pela primeira vez durante uma operação clandestina antes de ser transferido, ele é chamado de rendição extraordinária

7. Gaston Bachelard, A Psicanálise do Fogo, Paris, Gallimard, 1938 (N.d.T.).
8. A esquerda branda foi uma facção centrista do Trabalhismo, originalmente da ala esquerda do partido, cujo nome marca a oposição a uma esquerda dura cuja retórica socialista era mais explícita (N.d.T.).

9. Nigel Farage, membro fundador e líder do UKIP de 2006 a 2016 (N.d.T.).

Referências:

Davis, Mike 2016. “‘Fight with hope, fight without hope, but fight absolutely’: An interview with Mike Davis,” LSE Department of Sociology Blog. URL: http://blogs.lse.ac.uk/researchingsociology/2016/03/01/fight-with-hope-fight-without-hope-but-fight-absolutely-an-interview-with-mike-davis/ [Date last accessed: 11/10/16]

Eley, Geoff 2016. “Europe, Democracy and the Left: An interview with Geoff Eley,” Salvage. URL: http://salvage.zone/online-exclusive/europe-democracy-and-the-left-an-interview-with-geoff-eley/ [Date last accessed: 11/10/16]

Seymour, Richard 2013. “Where Next for the Left?” The North Star. URL: http://www.thenorthstar.info/?p=8949 [Date last accessed: 11/10/16]

––– 2016. “Cold War Anticommunism and the Defence of White Supremacy in the Southern United States” (unpublished Ph.D. thesis, LSE).

Thomas, Peter D. 2009. The Gramscian Moment: Philosophy, Hegemony and Marxism (Leiden: Brill).


Entrevista conduzida por Daniel Hartley e traduzida do inglês por Jean Morisot.

Imagem: Harmonia Rosales, “Birth of Oshun”, 2017, da série de trabalhos ‘Black Imaginary to Counter Hegemony (B.I.T.C.H.)’

Fonte: https://lavrapalavra.com/2019/03/15/a-hegemonia-da-raca-de-gramsci-a-lacan/

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Por  Dr Selwyn R. Cudjoe*

Parte da emoção de ser educador é o fato de ter falado em muitos lugares (como Canadá, Estados Unidos, América Central, América do Sul, Antilhas, Japão, África e Ilhas Fiji) sobre escravidão, educação e justiça social. Estou sempre animado para compartilhar meus pensamentos sobre essas questões e aprender o que os outros têm a dizer sobre suas condições.

No último sábado (2 de novembro), participei de uma conferência na Universidade de Fordham que comemorou o 50º aniversário da fundação do Departamento de Estudos Africanos. Eu estava lá no começo. Fiz parte do “Painel dos Fundadores”. Falei dos desafios que enfrentamos naqueles tempos ao formarmos um departamento que estudava a história, a literatura, as ciências políticas e sociais da África e de sua diáspora.

O fato de o departamento ter sobrevivido por 50 anos em meio a um período tempestuoso e tempestuoso no ensino superior americano é um testemunho de todos nós que avançamos, quase às cegas, nas décadas de 1960 e 1970. Era um território desconhecido para todos nós.

Irma Watkins-Owen, uma das pioneiras do Departamento Afro-Americano no Lincoln Center Campus, lembrou-nos que “havia mais de 600 departamentos de Estudos Afro-Americanos em 2013 e o número caiu para 361 programas em todo o país. Ela pediu ‘cautela, vigilância e ativismo’. ”(Ver Fordham News , 5 de novembro de 2019). Fizemos bem nessas circunstâncias.

Na quinta-feira, dei outra palestra no Providence College, Rhode Island, sob a rubrica “Escravidão, Educação e Justiça Social”. Falei sobre meu livro mais recente, O Mestre Escravo de Trinidad e como a vida de William Hardin Burnley iluminou o tópico à mão.

Embora Burnley fosse um mestre tirânico cruel com as pessoas escravizadas, ele era uma importante figura transatlântica do século XIX. Sua irmã, Maria, casou-se com Joseph Hume, um dos membros mais poderosos do Parlamento britânico. Essa associação deu a Burnley acesso imediato ao escalão superior do Escritório Colonial.

Desde que eu estava falando em uma faculdade na costa leste dos Estados Unidos, apontei que Andrew Hanswell Green, “o pai da Grande Nova York”, era superintendente das propriedades açucareiras de Burnley em Orange Grove por um ano. Ele morava “em um galpão que ficava a dois metros por dois metros da casa principal. O barraco não tinha ‘teto’, apenas telhas no beiral, expondo Green ao clima ”(Michael Rubbinaccio, o pai de Nova York é assassinado ). Em 1898, Green reuniu os bairros de Nova York em um único município.

Um professor de história não podia acreditar no que estava ouvindo. Ele perguntou: “Você quer dizer que o pai fundador da Grande Nova York era um superintendente que morava em uma plantação de Trinidad antes de se tornar um membro tão proeminente da cidade de Nova York?”

Expliquei que nos séculos 18 e 19 “o açúcar era considerado o ‘ouro branco’ nas arenas comerciais do mundo, mas era acumulado pelo flagelo do trabalho escravo do ‘ouro preto’” (Micki Pistorius, “Açúcar e escravos . ”)

Acrescentei que em 1770 “foram as riquezas acumuladas do comércio das Índias Ocidentais que mais do que qualquer outra coisa subjacente à prosperidade e civilização da Nova Inglaterra e das colônias do Oriente” (Citado em Eric Williams, Capitalism and Slavery ).

Na sexta-feira, o New York Times publicou um artigo em que Gaston Browne, primeiro-ministro de Antígua, pediu à Universidade de Harvard que pagasse reparações à ilha. Ele contou que a Harvard Law School foi fundada e financiada por Isaac Royal Jr., proprietário de escravos de Antígua (8 de novembro).

Quatro anos antes, os professores Daniel Coquillette e Bruce Kimball, das Universidades de Harvard e Ohio, respectivamente, haviam dado ao Browne a munição de que precisava para processar seu caso. Eles relataram: “Royall dificilmente foi o fundador ideal de uma escola dedicada ao estudo do direito e da justiça. Ele era proprietário de escravos cuja fortuna se baseava em grande parte nas plantações cruéis de cana-de-açúcar de Antígua. Ele e o pai sobreviveram a uma grande revolta de escravos, que terminou com escravos queimados na fogueira, quebrados no volante e consumidos vivos ”( No campo de batalha do mérito ).

A revolta de escravos, à qual Royall sobreviveu, foi precedida pela “ dança Ikem , realizada em plena luz do dia pelo líder dos escravos, ‘King’ Court ”, a principal Pessoa nesse caso. Este era “um ritual real Akan destinado a selar o apoio dos compatriotas” … Os espectadores brancos não tinham idéia do que significava a dança, “pensando que era um entretenimento criado por e para escravos”. Houve também juramentos, administrados com bebidas sagradas preparadas por um ‘homem Obeah’, uma figura do tipo xamã Akan, que apoiou a gravidade espiritual da cerimônia. ‘”

Esta poderia ter sido uma cena tirada de Trinidad do século XIX. A experiência me ensinou que estudar a vida dos donos de escravos pode nos ensinar muito sobre a resposta e a luta pelo bem comum, e o quanto os negros da região têm em comum.

Nós fornecemos a riqueza que construiu o novo mundo. Embora não o conheçamos, precisamos cimentar o trabalho intelectual e espiritual que nossos pais e mães fizeram para nos manter psiquicamente centrados e vivos.

Há cinquenta anos, parti em peregrinação para conhecer e entender meu povo. É uma tarefa com a qual todos nós devemos nos comprometer. Não sei até agora que instituímos o ensino da história do Caribe em nossas escolas secundárias, mas deve ser a base sobre a qual nos preparamos para as tarefas que temos pela frente.

Estudar o passado nos ajuda a entender o futuro. É a fonte da qual todas as coisas boas crescem.

*Dr Selwyn R. Cudjoe  é um historiador, ensaísta e editor nascido em Trinidad e Tobago. É professor de estudos africanos no Wellesley College, em Massachusetts. 

Fonte: http://www.trinidadandtobagonews.com/blog/?p=11874

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Origens africanas das religiões do mundo por Yosef Ben Jochannan

As origens africanas das principais “religiões ocidentais”, publicado pela primeira vez em 1970, continua sendo uma das obras mais instigantes do Dr. Ben. Este exame crítico da história, crenças e mitos, permanece instrutivo e renovado. Ao destacar as influências e raízes africanas dessas religiões, o Dr. Ben revela uma história não contada que é completamente desconhecida, deliberadamente encoberta pela imposta supremacia cultural européia no mundo.

Fonte: https://unitedblackbooks.org/collections/50-must-read-books-for-african-americans/products/african-origins-of-world-religions-by-yosef-ben-jochannan-e-book